O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) permitiu à J&F deduzir multa com valor original de R$ 10 bilhões, resultante de acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF), da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Essa é a primeira decisão do órgão que se tem notícia, segundo especialistas, relativa a esse tipo de sanção. No acordo de leniência, a empresa investigada por corrupção entrega informações e provas à autoridade para ter em troca redução de suas sanções. A discussão no Carf envolve o artigo 311 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580, de 2018). O dispositivo trata da possibilidade de dedução das despesas “necessárias, usuais ou normais” do cálculo do tributo federal, sem especificar o que estaria autorizado. Nos processos analisados, os contribuintes alegam que essas multas devem ser consideradas despesas necessárias, por fazerem parte do risco do negócio. O que foi acatado, por maioria de votos, na 4ª Turma Extraordinária da 1ª Seção sobre o caso da J&F (processo nº 16561.720011/2021-27). O acórdão ainda não foi publicado. Argumentação semelhante foi aceita no ano passado pela 1ª Turma da Câmara Superior do Carf. O processo envolvia multas do Instituto do Meio Ambiente (IMA) aplicadas contra uma produtora de açúcar, etanol e bioeletricidade da Bahia (processo nº 10530.721720/2014-81). No caso da J&F, o relator, conselheiro Efigênio de Freitas Júnior, representante da Fazenda, foi o único a defender que a multa não seria dedutível da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL, por não se enquadrar nos requisitos exigidos pela Receita Federal. Não seria, segundo ele, despesa necessária. Prevaleceu o voto do conselheiro Itamar Artur Magalhães Alves Ruga, também representante da Fazenda, que redigirá o acórdão vencedor. Para ele, a dedutibilidade da multa seria possível com o reconhecimento de que a penalidade é uma despesa necessária para a manutenção do grupo. Ele foi seguido pelos demais conselheiros. O risco de penalidade desse gênero faz parte do negócio” — Leandro Cabral O pagamento da multa está suspenso por decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso ainda será levado ao Pleno. A J&F ainda negocia uma redução desse valor com o MPF. Segundo a empresa, já foram pagos R$ 2,9 bilhões. De acordo com o advogado Pedro Grillo, do escritório Brigagão, Duque Estrada Advogados, é a primeira vez que o Carf permite a dedução de multa de acordo de leniência. A discussão, afirma, vai na mesma linha da decisão da Câmara Superior sobre a necessidade, usualidade e habitualidade dessa despesa. “De forma coloquial, pode causar uma certa estranheza a dedução de multa por acordo de leniência, decorrente de atividades ilícitas. Mas do ponto de vista técnico, tem que se considerar dedutível toda e qualquer despesa inerente à atividade da empresa”, diz Grillo. Para o advogado, é irrelevante a discussão se a atividade que gerou a despesa é lícita. “Se a empresa não quitar a multa firmada no acordo de leniência, fica alijada do mercado, proibida de licitar e de atuar em suas atividades normalmente”, afirma. “Assim como o Estado não está impedido de tributar uma renda pelo fato dela ser ilícita.” Leandro Cabral, do escritório Velloza Advogados, defende que, por não haver vedação legal, é dedutível multa não tributária aplicada em acordo de leniência. “Afigura-se operacional a despesa com tal multa, por ser consequência do exercício da atividade econômica. Na realidade, o risco de penalidade desse gênero faz parte do negócio e é praticamente impossível operar sem incorrer em multas impostas pela administração pública”, diz o advogado. Existem decisões desfavoráveis aos contribuintes no Carf. Em fevereiro de 2018, a 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção entendeu que “a reparação de danos causados em decorrência dos ilícitos confessados ou a devolução de valores fixados em Termos de Colaboração Premiada ou em Acordos de Leniência, tem natureza completamente distinta das despesas originalmente deduzidas e não podem impactar a apuração de tributos de períodos já encerrados” (acórdão nº 1302­002.549). Há também, no Carf, decisões contra a dedutibilidade de propina. Em nota enviada ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que, “diante dos precedentes sobre possibilidade de deduzir multas punitivas, de um lado, e as decisões que trataram dos efeitos dos acordos de leniência, de outro, considera que o que é preciso aguardar novos julgamentos sobre o tema para definir como se consolidará a jurisprudência na esfera administrativa.” No texto, cita decisão da Câmara Superior, de 2016, na qual foi negada a dedutibilidade de multas aplicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em razão do descumprimento de normas do setor elétrico, por entender que a violação de normas regulatórias não é usual à atividade empresarial (acórdão nº 9101-002.196). Na mesma linha, afirma que ainda foi proferido outro acórdão (nº 1201-003.588, de 12 de fevereiro de 2020). Também cita decisão da Câmara Superior, do ano de 2018, que negou a dedutibilidade de multa imposta pelo Banco Central (acórdão nº 9101­003.875). Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da J&F informa, também por nota, que “a decisão do Carf simplesmente seguiu o mesmo entendimento sobre a possibilidade de deduzir esse tipo de despesa, como já foi feito em outros casos”.

Fonte: Valor Econômico