O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir em repercussão geral se é possível que municípios cobrem IPTU de concessionárias que prestam serviço público. O recurso escolhido como representativo envolve a maior ferrovia do Brasil, a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), principal eixo de conexão entre o Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, da empresa VLI Logística. Somente para as concessões de ferrovias, a tese eleva o custo dos contratos em R$ 3,5 bilhões por ano, segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Além disso, há o risco de uma cobrança retroativa de R$ 17 bilhões, diz a entidade, em nota. A decisão valerá para todos os processos judiciais semelhantes. Ainda não há data para o julgamento. Segundo especialistas, se a cobrança do tributo for permitida, pode haver um impacto significativo no preço das tarifas, no custo do frete e na atração de investidores. Também pode afetar outros modais e até na concessão de energia. A Light, em recuperação judicial com dívida de R$ 11 bilhões, tem recurso pendente de julgamento no Supremo. A ação chegou ao STF após a VLI recorrer de decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que validou a cobrança do IPTU pelo município de Varginha (MG) sobre um imóvel da União usado pela concessionária. Foram aplicados ao caso precedentes do próprio STF sobre imunidade tributária, prevista na Constituição. Um primeiro afirma que a imunidade “não se estende às pessoas jurídicas de direito privado cessionárias de imóveis públicos” (Tema 385). Outros dois que o tributo é cobrado se a empresa for “sociedade anônima, que distribui lucros e dividendos e cujas ações são negociadas na Bolsa de Valores” (Tema 508), mas não há incidência se for empresa pública ou sociedade de economia mista que preste serviço essencial e não ofereça “risco ao equilíbrio concorrencial” (Tema 1140). No STF, a Centro Atlântica afirma que as teses foram aplicadas de forma equivocada, porque “a distribuição de lucros a acionistas e a negociação de ativos em bolsa não alteram a natureza pública do bem e da atividade exercida”. O essencial a ser observado deve ser a natureza do imóvel, de propriedade da União, para determinar a existência da imunidade tributária (Tema 1297). Já o município de Varginha, em nota ao Valor, diz ser legítima a cobrança, pois a concessionária é empresa de direito privado, com “fins predominantemente lucrativos”. O procurador-geral do município, Evandro Marcelo dos Santos, destaca que o STF já decidiu a controvérsia no Tema 347, de que o IPTU incide sobre “imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo”. E que o valor cobrado da FCA é de R$ 7,1 mil. A repercussão geral foi reconhecida por unanimidade. Só não participou do julgamento o ministro André Mendonça, escolhido como relator. No voto, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, entendeu ser um tema ainda não abordado nos outros precedentes. E que há decisões do próprio STF tanto negando a imunidade, considerando essencial a finalidade lucrativa, quanto admitindo, pela natureza do serviço público prestado. Segundo o tributarista João Rolla, sócio do Rodolfo Gropen Advocacia, escritório que defende a VLI no STF, a jurisprudência era favorável aos contribuintes. “O entendimento do STJ era pela ausência de fator gerador, pois a concessionária tem apenas um título precário”, diz. “Quando o STF passou a julgar casos dos Correios e Petrobras, o cenário mudou e os tribunais têm dado, em maioria, decisões desfavoráveis.” Para ele, as concessões merecem análise diferenciada pelas peculiaridades de cada mercado. “Estamos no pior cenário, que é da indevida aplicação de precedentes do Supremo, de casos que não compartilham as mesmas características. Para o setor, é muito importante que a discussão se reinicie sobre a visão da repercussão geral”, afirma o advogado, acrescentando que a indefinição aumenta o contencioso. Procurador do Estado do Pará, Wendel Piton entende que a cobrança pode trazer desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos. “Vai haver aumento da necessidade de aporte público para a viabilidade de concessões que estão em andamento. Nas novas concessões, em regiões não tão atrativas do ponto de vista econômico, pode gerar ausência de concorrência”, afirma ele, citando projetos como Ferrogrão e a Ferrovia do Pará. Ele também pondera que o IPTU não é tão relevante para a arrecadação dos municípios como o ISS. Piton entende que deve prevalecer a análise econômica do direito no julgamento, além do aspecto social. Ele cita que o modal rodoviário, por exemplo, é deficitário na maioria dos municípios e precisa de outras fontes de renda que não a tarifa para sobreviver – sem a cobrança de imposto. “Ele precisa de receitas extras, seja com publicidade ou algum espaço comercial. Isso contribui para a modicidade da tarifa.” Mariana Avelar, da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, diz que as concessionárias têm olhado “com lupa” para essa tese, por impactar diretamente os negócios. “É um ponto de dor e gera muita insegurança para outras modelagens.” Segundo o professor da UFRJ Hendrick Pinheiro, consultor tributário da Manesco, seria “muito míope ignorar que a cobrança de IPTU vai refletir na tarifa”. “Quem vai pagar é o usuário”, diz. Procurada, a VLI informou que iria se manifestar pela ANFT. Em nota, a associação afirma que desde o início do processo de desestatização das ferrovias, entre 1996 e 1998, “há o entendimento sobre a imunidade recíproca do IPTU e que não compete às concessionárias a obrigação de arcar com seu pagamento sobre os bens imóveis do Poder Púbico”. O julgamento, diz o diretor-executivo da ANFT, Davi Barreto, impactará “todo o sistema logístico”. Se autorizada a cobrança, acrescenta, se aumentará o “custo Brasil” e diminuirá a competitividade das exportações.
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