O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta sexta-feira (09), o julgamento de novos embargos de declaração no processo que cessou a cobrança de ICMS na transferência de mercadorias entre Estados de uma mesma empresa. Esse processo tem impacto bilionário para o varejo. O ministro Edson Fachin, relator da ação, votou para não admitir o recurso, oposto ao Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom). Ele foi o único a votar até então. Ainda é preciso que os outros nove ministros se manifestem. O julgamento acaba no dia 20 de fevereiro, no Plenário Virtual. Esse é o terceiro embargo movido pelos contribuintes neste caso – o segundo feito pelo Sindicom, representado pelo escritório de advocacia Mattos Filho. Fachin votou por não admitir o recurso do sindicato por não haver legitimidade para ele ingressar com esse tipo de instrumento, uma vez que é apenas parte interessada (amicus curiae) no caso. O recurso anterior também foi negado, por unanimidade, pelo mesmo motivo, no fim de outubro de 2023. Contexto Em abril de 2021, quando o STF julgou o mérito da questão, ficou definido que o ICMS entre filiais não seria cobrado. Apesar de a decisão ter sido benéfica para os contribuintes, teve como efeito colateral a impossibilidade de aproveitar créditos do imposto estadual na etapa seguinte da cadeia. Em abril de 2023, houve a modulação do entendimento para que a determinação valesse a partir de 2024. Também ficou definido que os Estados deveriam disciplinar o uso dos créditos acumulados. Se isso não ocorresse, os contribuintes ficariam liberados para fazer as transferências sem qualquer ressalva ou limitação. Para o sindicato, o acórdão do STF não deixou claro o que acontece com os créditos se não houver regulamentação dos governos estaduais ou do Poder Legislativo. Cobrança retroativa O sindicato, no novo recurso, ainda tenta evitar a cobrança retroativa do imposto. Segundo ele, empresas têm sido autuadas pela Fazenda com a cobrança do tributo estadual em períodos anteriores a 2024. A entidade também cita que alguns tribunais, como no Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina, têm dado decisões desfavoráveis aos contribuintes, permitindo a autuação retroativa com base na modulação do STF. “Ao não afirmar expressamente que não é dado ao Fisco constituir créditos tributários de ICMS para os períodos anteriores a 2024, gerou-se exatamente a macrolitigância que se pretendia prevenir”. O sindicato pede ainda que a produção de efeitos da decisão de 2021 seja postergada para 2025 “a fim de conferir tempo hábil para a edição de ato normativo para disciplinar a discussão”. Os pedidos não foram analisados por Fachin. “A orientação predominante na Corte é no sentido de não conhecer a legitimidade do amici curiae para opor embargos de declaração nos processos objetivos de controle de constitucionalidade”, afirmou, no voto (ADC 49). Análise Segundo tributaristas, os créditos de ICMS ficaram garantidos pela decisão do STF, mas nem todos os estados regulamentaram como seria o uso. Em dezembro, o Conselho de Política Fazendária (Confaz) publicou o convênio 178/2023 que tornou “obrigatória” a transferência de créditos de ICMS ao Estado de destino da mercadoria, restringindo a decisão do Supremo. Isso porque, de acordo com os especialistas, o convênio não deu direito à gestão dos créditos – escolher se mantém na origem ou no destino – o que pode causar um desequilíbrio no fluxo de caixa. Uma outra regra, estabelecida pela Lei Complementar 204/2023, regulamentou o tema de forma divergente, impondo como facultativa e não obrigatória a transferência do crédito. A dúvida que fica agora é como se usa esse benefício. “Há a possibilidade de empresa escolher querer ter a transferência de ICMS, mas onde se utiliza isso? Na origem da mercadoria ou pode ocorrer a utilização no destino? Esse é o principal ponto dos embargos do Sindicom”, explica o advogado Ângelo Ambrizzi, Head de tributário do Marcos Martins Advogados. Outra ambiguidade que gerou foi a LC só tratar do tema a partir de janeiro deste ano. “Para o período anterior a 2024, há incerteza quanto à possibilidade de formalizar autuação contra os contribuintes que deixaram de recolher ICMS”, diz o advogado Eduardo Suessmann, sócio do escritório Suessmann Advogados. Ele diz que é preciso uma nova regulamentação para disciplinar sobre esse ponto, “porque se o STF não se manifestar, ficará a critério do Fisco autuar ou não. De acordo com o advogado João Rolla, sócio do Rodolfo Gropen Advocacia, escritório que representa a Associação Brasileira de Laticínios (Vive Lácteos) na ADC 49, também ficou em aberto como ficaria a situação de contribuintes que não tinham ação judicial antes da publicação da ata de julgamento, o que ainda pode acarretar cobrança de ICMS pelos Estados. “Restará a contribuintes em situação tal a via de discussões individuais, conforme as particularidades de cada caso.” Para ele, existe certa contradição entre o disposto na lei complementar, o convênio do Confaz e as legislações estaduais, que divergem na obrigatoriedade e faculdade do aproveitamento dos créditos. “A lei complementar que tem competência para dispor sobre o assunto, e deveria prevalecer sobre convênios e normas estaduais. Mas certamente estados e o DF terão posição contrária, o que gerará potenciais novas discussões”, completa.
Deixar um comentário