Sancionada no último dia 2 de julho, a Lei Complementar (LC) nº 208 representa um importantíssimo paradigma na gestão de créditos públicos no Brasil, promovendo modificações significativas nas normas gerais de direito tributário e financeiro. Alterando dispositivos da Lei nº 4.320/64, bem como do Código Tributário Nacional (CTN), introduz nova sistemática para a cessão de direitos creditórios, além de incorporar ao ordenamento pátrio novas causas interruptivas da prescrição do crédito tributário.

 

Com inclusão do artigo 39-A na legislação acima mencionada, fica a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios autorizados a ceder, de forma onerosa, direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, inclusive aqueles inscritos em dívida ativa, a entidades privadas ou fundos de investimento regulamentados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Ademais, ao alterar a redação dos artigos 174 e 198 do CTN, respectivamente, equipara o protesto extrajudicial ao judicial, concedendo ao primeiro força normativa para interromper o decurso do prazo fazendário para cobrança de seus créditos, além de possibilitar a requisição de informações cadastrais e patrimoniais de sujeitos passivos a entidades públicas ou privadas, facilitando o compartilhamento de bases de dados.

Por sua vez, a LC nº 208/24 estabelece critérios rigorosos para validação do negócio jurídico aqui abordado, especialmente relacionado à preservação da natureza original do crédito, mantendo suas garantias e privilégios, bem como as prerrogativas de cobrança da Fazenda Pública. Além disso, impõe a manutenção dos critérios originais de atualização de juros, multas e condições de pagamento, além de isentar o cedente de responsabilidade futura, limitando-o ao direito de recebimento do crédito constituído e reconhecido, transferindo integralmente o risco ao cessionário.

Ato contínuo, estabelece que ao menos 50% da receita derivada das cessões de direito creditório deverá ser direcionada a financiar as despesas da Previdência Social, sendo o restante alocado para investimentos. Fora isso, limita a realização da operação que, destaca-se, deverá ser regulada mediante lei específica do ente cedente até 90 dias antes do fim do mandato do chefe do Executivo, vedando a cessão de percentuais pertencentes a outros entes e preservando as bases de cálculo constitucionais.

Pois bem, exercendo o racional crítico acerca do novo veículo legislativo, faz-se necessário ponderar alguns pontos de atenção. Por um lado, não há como negar que a nova sistemática relacionada à cessão de direitos creditórios servirá como um importante mecanismo que potencializará a eficiência na recuperação de créditos públicos, especialmente aqueles de difícil cobrança ou tidos como de baixo grau de recuperabilidade, visto que a transmissão destes para entidades constituídas especificamente para esse fim, com grande capacitação técnica e operacional, reduzirá a inadimplência.

Melhorias nas contas públicas

Neste diapasão, os entes federados terão maior liquidez financeira, gerando receitas de forma prática e eficiente, auxiliando no equilíbrio das contas públicas e no financiamento de serviços públicos essenciais.

Porém, é necessário que tal procedimento seja fiscalizado de perto, especialmente para manter a transparência e a confiança dos devedores na higidez dos novos mecanismos de cobrança, além de ser fundamental para preservar os privilégios e garantias dos créditos originais, evitando a banalização e mercantilização da atividade, onde se visa a maximização do lucro, respeitando a função social do tributo e a vedação de sua utilização com efeito de confisco.

Outro ponto relevante diz respeito à utilização do protesto extrajudicial. É de suma importância que sejam criados mecanismos para conter sua aplicação desenfreada, o que pode acarretar o prolongamento “ad aeternum” da possibilidade de cobrança de créditos tributários, fomentando o cenário de insegurança jurídica e prejudicando o desenvolvimento econômico.

 

Também se mostra relevante a necessidade de uma minuciosa regulamentação do compartilhamento de dados fiscais dos contribuintes entre órgãos da administração pública, ainda mais considerando as disposições trazidas pela nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), devendo ser pautado pelos princípios da finalidade, necessidade e proporcionalidade, estabelecendo limites e mecanismos de controle de abusos, respeitando os direitos individuais e a privacidade dos contribuintes.

Portanto, para se garantir a eficácia plena da norma, viabilizando sua aplicação prática de maneira eficiente e justa, respeitando os deveres e garantias individuais dos contribuintes, bem como a função social e a relevância dos créditos públicos, faz-se necessário a cooperação conjunta dos entes federados, dos membros da administração pública, das sociedades empresárias constituídas para tal finalidade e da sociedade de forma geral, buscando o desenvolvimento de um procedimento justo, cristalino e benéfico para o crescimento do país.

 

  • é advogado no Braga & Garbelotti – Consultores Jurídicos e Advogados.

    Fonte: Conjur