A 1ª Seção do STJ, no último dia 31 de março, afetou os Recursos Especiais como paradigmas de controvérsia repetitiva acerca da responsabilidade tributária do arrematante de imóveis em consequência de previsão de débitos tributários, especialmente de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), em edital de leilão (Tema 1134 – nºs 1.914.902/SP, 1.944.757/SP e 1.961.835/SP). Trata-se de mais um caso digno de atenção, dada a crescente insegurança quanto à responsabilidade do crédito tributário em contratos de alienação fiduciária.

Segundo a ministra Assusete Magalhães, relatora dos Recursos Especiais, a questão a ser analisada exige a interpretação do artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), que prevê a sub-rogação do crédito tributário sobre o preço, no caso de arrematação em hasta pública. A controvérsia envolve, portanto, a responsabilidade por transmissão dos débitos que acompanham o imóvel no caso de arrematação em leilão.

Assim, caso se entenda pela sub-rogação do débito, isto é, pela incidência do artigo 130, o valor será descontado do preço, não havendo, então, transmissão da responsabilidade para o arrematante. A arrematação terá o efeito de extinguir o crédito pela sub-rogação e o imóvel passa ao arrematante livre e desembaraçado de tributo.

O fisco, contudo, entende que havendo no edital previsão de responsabilidade do arrematante, a regra constante do artigo 130, parágrafo único, do CTN é excepcionada, hipótese em que não se opera sub-rogação no preço da arrematação, respondendo o arrematante por aqueles débitos.

O entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça (STJ) é, até aqui, favorável ao fisco. Mas, de acordo com a Comissão Gestora de Precedente e Ações Coletivas do STJ, há no tribunal superior 71 acórdãos e 1.121 decisões monocráticas proferidas por ministros da 1ª e da 2ª Turma sobre esse tema, motivo pelo qual foi determinada a afetação dos recursos ao rito dos repetitivos e a suspensão do trâmite de todos os processos até que haja o julgamento.

Ocorre que se acumulam casos em que a Fazenda Municipal transfere a responsabilidade para terceiros do crédito em aberto devido pelo devedor no contrato de alienação fiduciária, com efeitos colaterais deletérios. Desenha-se um cenário que abona o devedor do fisco e repassa para terceiros o ônus de recuperação dos valores despendidos, sem qualquer compensação por isso, o que agrava ainda mais a insegurança para investidores e mutuantes, bem como aumenta a litigiosidade, sem que se possa perceber ganhos claros de eficiência.

Com efeito, as instituições financeiras litigam no judiciário para excluir a responsabilidade tributária do IPTU devido por devedores fiduciários, referente às competências anteriores à imissão na posse – ou seja, antes da execução da consumação da dívida civil pela expropriação do bem, na forma do artigo 27, §8º, da Lei 9.514/97.

Para as Fazendas Municipais, incidiria também o artigo 130 do CTN, no sentido de que, com a consolidação da propriedade – etapa preparatória da expropriação, para conferir legalidade ao leilão extrajudicial –, todo o IPTU em aberto seria imediatamente transferido para a instituição financeira credora, como se fosse ela um adquirente do imóvel.

A tese fazendária, contudo, contraria a sistemática da Lei 9.514/97. O §8º do artigo 27 prevê que o devedor fiduciante responde pelo crédito tributário “até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse”. Nada mais coerente, visto que só após a imissão na posse é que o credor fiduciário assume a animus domini e se torna contribuinte do imposto.

Mas o que parece claro, na sistemática da lei, é a responsabilidade do devedor pelo crédito incidente durante o período que ocupou como dono o imóvel, sem transferência. Por isso mesmo é que o §2º do artigo 27 da referida lei prevê que o preço da arrematação deverá ser igual ou superior ao valor da dívida e “dos encargos legais, inclusive tributos”. Se a lei garante o valor mínimo para quitação dos tributos, a responsabilidade tributária recai sobre o devedor fiduciante, que assumirá o ônus pela sub-rogação dos tributos no preço.

Assim, nos termos da lei de regência, o imposto vencido antes da imissão na posse pelo credor fiduciário é de responsabilidade do devedor fiduciante, havendo, ao fim, a transferência do bem, para o arrematante, com a sub-rogação dos débitos no preço da arrematação.

Mas por que a Fazenda Municipal, em diversas localidades, resiste tanto ao regime legal? Parece haver a convicção de que o caminho mais curto para a satisfação do crédito será terceirizando a responsabilidade para os atores colaterais, no caso, para o credor fiduciário e o arrematante em leilão, beneficiando, de maneira surpreendente, o devedor fiduciário, único e legítimo sujeito passivo do crédito tributário. Na busca por atalhos, a Fazenda Municipal acaba por transportar para esses terceiros, que não deram causa à inadimplência, o ônus de reaver junto ao devedor os valores despendidos, por meio de ações de regresso.

Os danos colaterais não são compensados pelo ganho de eficiência que a Fazenda Municipal acredita obter. Além da insegurança cada vez maior no ambiente de negócios, para os demais atores envolvidos, acumulam-se execuções fiscais, incidentes processuais e ações cíveis para discutir a questão, o que poderia simplesmente se resolver com a sub-rogação do débito no preço da arrematação.

É preciso, portanto, que a Corte Superior atente para o risco de se admitirem exceções ao regime legal da responsabilidade tributária nos contratos de alienação fiduciária. Caso se entenda pela responsabilidade do arrematante por mera previsão em edital, em um novo abono ao devedor recalcitrante, teremos um cenário ainda mais inseguro e litigioso.

 

CRISTIANO ARAÚJO LUZES – Sócio do Serur Advogados
DANIELLE LOBO CARVALHO DE ARAÚJO – Advogada do Serur Advogados.

 

Fonte: Jota