Em 2023, iniciou-se uma ferrenha discussão entre o Poder Executivo, o Congresso e os 17 setores da economia beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos, medida que vigorava desde 2011 (Lei Nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011), a respeito da sua prorrogação ou não.

Desde 2011, com o intuito de incentivar a contratação de trabalhadores, facultou-se a determinados setores da economia optar entre o recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento ou sobre a receita bruta.

De lá pra cá, o Congresso aprovou a prorrogação do benefício até 2027, o presidente da República vetou a prorrogação, o Legislativo derrubou o veto, o presidente da República reinstituiu a cobrança por meio da Medida Provisória nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023, que causou indignação no Poder Legislativo e acabou sendo revogada através da recente MP nº 1.208, de 28 de fevereiro de 2024.

Segundo o governo federal, a proposta de reoneração da folha de pagamento será submetida ao Congresso Nacional através de projeto de lei.

Entretanto, trata-se de discussão superficial acerca do custeio da Previdência Social e das entidades do chamado Sistema S, que compreende nove entidades com destaque para o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial); Sesc (Serviço Social do Comércio), Sesi (Serviço Social da Indústria); e Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio).

Contribuições revistas
As contribuições previdenciárias, ao seguro de acidente de trabalho, antigo SAT, hoje RAT, e ao Sistema S, precisam ser revistas tendo em vista a confusa legislação em vigor que disciplina as cobranças.

Conforme resume trecho do voto proferido pelo desembargador federal Carlos Muta, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, como relator no julgamento de apelação [1] em que se discute a constitucionalidade da cobrança das contribuições previdenciárias, RAT e ao Sistema S sobre os valores pagos pela empresa aos seus empregados a título de salário-paternidade: “... Antes do exame específico do caso, considerações gerais sobre a tributação previdenciária são pertinentes para efeito de orientar a solução da espécie.”

“Neste sentido, cabe destacar, primeiramente, que na redação vigente, após EC 20/1998, é assim prevista a contribuição patronal em discussão: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.”

Evidente o aprimoramento da base constitucional do tributo em relação aos sujeitos passivos e à materialidade da incidência, o que, por consequência, afetou os parâmetros legais da tributação, passando a constar da Lei 8.212/1991 que: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.”

“Por sua vez, a contribuição previdenciária por riscos ambientais do trabalho (RAT, antiga SAT) decorre do artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, tendo assento no artigo 22, II, da Lei 8.212/1991 (“para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos”); ao passo que as devidas a terceiros tem sede no artigo 149 da Constituição Federal e previsão em diversas leis específicas.”

 “Ainda que a fundamentação constitucional e legal seja própria de cada espécie, é inequívoco que o tratamento dado a tais contribuições, pela identidade de base de cálculo, não discrepa, considerada a natureza remuneratória, ou não, de cada valor pago, devido ou creditado pelo empregador (AgInt no REsp 1.602.619).”

Entretanto, não há clareza na legislação sobre o que deve ser considerado verba remuneratória a ensejar a incidência das contribuições previdenciárias e a terceiros ou verba indenizatória e, portanto, não sujeita à cobrança, tem ensejado inúmeras discussões na esfera judicial.

E como para a Receita Federal, atual responsável pela fiscalização e cobrança das contribuições previdenciárias e a terceiros, praticamente todos os valores pagos pelas empresas aos empregados enquadram-se no conceito de remuneração, o Poder Judiciário tem sido frequentemente provocado para definir se determinada verba tem natureza remuneratória ou não e, consequentemente, se deve compor ou não a base de cálculo das contribuições previdenciárias e das contribuições ao Sistema S, com oscilação da jurisprudência e consequentemente formação de uma expressiva contingência.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 565.160/SC, em sede de repercussão geral, no qual se discutia a incidência das contribuições previdenciárias sobre o adicional de periculosidade, adicional de insalubridade, adicional noturno, gorjeta, ajuda de custo, diária, comissões, o Tema 20, em que se pretendeu definir o “Alcance da expressão “folha de salários”, para fins de instituição de contribuição social sobre o total das remunerações”, fixou a seguinte tese:

Tema 20 – “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998.”

Ao julgar a incidência sobre o salário-maternidade também em sede de repercussão geral (Recurso Extraordinário n. 576.967 – Tema 72), afirmou que:

… Por não se tratar de contraprestação pelo trabalho ou de retribuição em razão do contrato de trabalho, o salário-maternidade não se amolda ao conceito de folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Como consequência, não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador, não encontrando fundamento no art. 195, I, a, da Constituição. Qualquer incidência não prevista no referido dispositivo constitucional configura fonte de custeio alternativa, devendo estar prevista em lei complementar (art. 195, §4º).”

Apesar disso, o mesmo entendimento não tem sido aplicado pelos juízes e tribunais ao salário-paternidade, embora também não seja pago em contraprestação ao serviço prestado, uma vez que corresponde ao período em que o empregado se ausenta do serviço para auxiliar nos cuidados com o recém-nascido.

Riscos ambientais do trabalho

Vale destacar ainda a divergência de tratamento da legislação no que tange à cobrança da contribuição previdenciária por riscos ambientais do trabalho (RAT, antiga SAT) e às contribuições devidas ao Sistema S.

Quanto ao chamado RAT/SAT, após uma longa discussão na esfera judicial, objetivando que a alíquota fosse fixada de acordo com a atividade desenvolvida por cada estabelecimento, no lugar da atividade preponderante desenvolvida pela empresa, pacificou-se o entendimento, que foi incorporado à legislação em 2014, de que a alíquota deve ser fixada de forma individualizada de acordo com o grau de risco de cada estabelecimento da empresa.

O mesmo aconteceu com o FAP (Fator Acidentário de Prevenção), que varia de 0,5 a 2 pontos e é aplicado sobre a alíquota RAT/SAT e pode resultar na sua diminuição e/ou majoração. Para o cálculo do FAP, a princípio, também se levava em conta a atividade preponderante da empresa. Após generalizada contestação, houve a alteração da legislação para que, como não poderia deixar de ser, fosse considerada a atividade desenvolvida em cada estabelecimento.

No entanto, para as contribuições a terceiros, a legislação determina que seja considerada a atividade que representa o objeto social da empresa, declarada como principal no CNPJ. E, na hipótese de desenvolver mais de uma atividade, prevalecerá, para fins de classificação, a atividade preponderante, assim considerada a que representa a unidade de produto, para a qual convergem as demais em regime de conexão funcional, ou seja, a finalidade comum em função da qual duas ou mais atividades se interagem, sem descaracterizar sua natureza individual, a fim de realizar o objeto social da pessoa jurídica.

Diante de toda essa complexidade, do atual princípio constitucional da simplicidade tributária (artigo 145, §3º da Constituição), da atual mudança nas formas de prestação de serviços e contratação de mão de obra, da substituição das pessoas pelas máquinas e do envelhecimento populacional, há que ser repensado e revisto o custeio da previdência social e do Sistema S, de forma a recuperar e preservar o equilíbrio das contas públicas.

 

  • é advogada do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados.

    Fonte: Conjur