O imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) é um tributo de competência dos estados, previsto no artigo 155, III e parágrafo 3º da CRFB, não vinculado a nenhum tipo de contraprestação ligada a uma atividade específica, o que possibilita ao estado arrecadante utilizar o dinheiro oriundo do imposto onde bem quiser, respeitando apenas os repasses obrigatórios previstos na Constituição.

A explicação acima seria suficiente para que o leigo deixe de justificar o pagamento do IPVA como revolta ao cair em um buraco em uma via com seu carro. Esse imposto é para financiamento do Estado, incluindo a manutenção de vias, mas não só.

Seguindo no tema, de longa “revolta” sempre foi o fato dos carros terem a obrigação do pagamento do IPVA, enquanto os jatos e embarcações luxuosas não têm nenhum imposto específico sobre sua propriedade. Para explicar tal injustiça, ao menos sob o ponto de vista do Supremo Tribunal Federal, se faz necessário retornar até o passado, mais especificamente na instituição do imposto.

O IPVA surgiu com a EC 27/85 e a Constituição que viria três anos após o ratificou, porém, não havendo previsão alguma deste no Código Tributário Nacional, o que nem seria possível, tendo em vista que o referido código fora criado muitos anos antes, em 1966. A referida EC 27/85, vedou, inclusive, a incidência de impostos ou taxas pela utilização do veículo, deixando apenas a já prevista que tem como fato gerador a propriedade. Por tal motivos, existem questionamentos acerca da legalidade da cobrança da taxa de licenciamento anual.

Pois bem, uma vez que inexiste lei complementar federal sobre o IPVA, os estados podem exercer a chamada capacidade legislativa plena, e assim, alguns editaram suas legislações internas para incluir a cobrança do Imposto sobre a propriedade de aeronaves e embarcações, mas, ao levar a discussão ao Poder Judiciário, os proprietários de tais bens se sagraram vitoriosos, sendo eximidos da cobrança.

Os estados que tentaram implementar cobrança, se utilizavam do conceito de veículos automotores advindo do Código de Trânsito Brasileiro [1], para justificar a cobrança, sob o fundamento de que tais veículos seriam movidos por propulsão.

O STF, ao analisar a possibilidade da cobrança sobre aeronaves e embarcações, acolheu os argumentos dos contribuintes e negou a possibilidade de cobrança, sob o fundamento de que antes do IPVA, existia a Taxa Rodoviária Única (TRU), instituída em 21 de outubro de 1969, tendo como fato gerador o licenciamento de um carro, e não a propriedade. Essa taxa era cobrada junto com o licenciamento anual de qualquer carro, e era baseada no peso, na capacidade de transporte e no modelo do veículo em questão, e não podia ultrapassar 2% de seu valor venal. Do total 40% ficavam com o governo federal e 60% era repassado para estados e municípios proporcionalmente.

O tema foi analisado pela em três ocasiões, quando dos julgamentos dos RE 134.509/AM, RE 255.111/SP e por último RE 379.572-4/ RJ, sendo todos eles decidindo a não incidir o IPVA sobre embarcações e aeronaves, em que pese divergência de interpretações dos ministros Marco Aurélio de Mello e Joaquim Barbosa, à época ainda em atividade na Suprema Corte.

Aqui, em opinião pessoal, esclarece-se que a tese do STF não se sustenta, até porque, o legislador, ao substituir a TRU pelo IPVA, claramente buscou ampliar a possibilidade da utilização da receita arrecadada com tal cobrança, pois, com a cobrança via taxa, por sua natureza constitucional, os valores possuem destinação específica, já em sendo a receita arrecadada por imposto, ela pode ser destinada onde bem entender o ente arrecadante nos termos do artigo 167, IV da CRFB/88. Assim, conclui-se que os valores da arrecadação do IPVA em nada tem a ver com a receita da antiga TRU, sendo inclusive sua natureza distinta.

Embora a jurisprudência e até a academia parecesse aceitar a decisão do STF pela não incidência do IPVA sobre a propriedade de aeronaves e embarcações, o texto da reforma tributária traz mudança substancial sobre o assunto, aumentando a base de arrecadação do IPVA, para as aeronaves e embarcações. Um estudo do ano de 2020 do Sindifisco Nacional estimou uma receita adicional de 4,7 bilhões por ano com tal ampliação.

A nova previsão, merece atenção, e, se aprovada como escrita, dependerá muito da fiscalização para sua efetividade, já que o texto é por demasia aberto, permitindo, por exemplo a isenção do proprietário em algumas hipóteses, como os aviões de transporte e barcos voltados à pesca e subsistência.

Sem a fiscalização, é de se esperar (infelizmente) que a destinação dos veículos pode ser “maquiada”, uma vez que, um barco, por exemplo, pode atender a finalidades de lazer e de pesca e se declarado como destinado à pesca, entraria na regra da isenção.

Assim, é evidente que é necessária a efetiva fiscalização para que a medida traga os efeitos pretendidos, caso contrário, será uma alteração que não passará da letra da lei, como muitas outras existentes em nosso ordenamento jurídico.

 


[1] Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilho (ônibus elétrico)”.

 é advogado formado pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (Ucam) e extensão em Analista Fiscal pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Contábeis (Ipec-RJ).

Fonte: Conjur