A variação cambial de pagamento parcelado decorrente da venda de participação societária no Brasil por contribuinte que está no exterior não deve ser tributada como ganho de capital, mas como rendimento a título de juros – cuja alíquota pode ser menor. Esse é o entendimento da Receita Federal, conforme a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 2, publicada recentemente. A tributação de rendimento de capital a título de juros é feita por meio de alíquota fixa de 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). No ganho de capital, há variação entre 15% e 22,5%, a depender do valor da parcela. No caso, o Fisco aplicou as regras de tributação de não residentes. A alienação a prazo foi realizada quando o contribuinte ainda era residente no Brasil, mas os pagamentos foram recebidos quando já não era mais. A Receita Federal já havia sinalizado entendimento nesse sentido nos anos de 2004 e 2008. Porém, em soluções de consulta de efeito individual apenas. Agora, a orientação deve ser seguida por todos os auditores fiscais do país. Ela esclarece ainda que, em caso de falta de retenção, o imposto terá que ser pago pelo procurador no Brasil do beneficiário residente no exterior. A consulta foi feita por uma pessoa física que não é residente no Brasil desde 27 de janeiro de 2021. Mas, antes disso, em 2019, realizou alienação a prazo de participação societária em empresa brasileira a uma companhia estrangeira sediada em Londres. Os pagamentos teriam ocorrido nos anos de 2019, com a celebração do contrato, 2021 e 2022, após a conversão em reais nas respectivas datas de pagamento. A pessoa que fez a consulta apurou e pagou o IRPF devido sobre o ganho de capital nos anos-calendários de 2019, 2021 e 2022, conforme o recebimento das parcelas, mas viu que os valores efetivamente recebidos em 2021 e em 2022 sofreram variação cambial positiva em função da apreciação do dólar. O IRPF devido em 2021 e 2022 foi apurado considerando como valor de alienação os totais recebidos em reais, ou seja, com a variação cambial embutida. Algum tempo depois, o contribuinte ficou em dúvida se a majoração das parcelas recebidas em 2021 e 2022 deveria compor o valor da alienação na apuração do IRPF devido sobre ganho de capital. Na solução de consulta, a Receita Federal respondeu que o acréscimo referente à variação cambial, embutida nos recebimentos em 2021 e 2022, deve ser tributado de forma apartada dos valores originais em reais dessas parcelas correspondentes à taxa de câmbio na data da alienação. O Fisco explicou que, apesar de o Decreto nº 9.580, de 2018 (RIR 2018), só mencionar juros, a Instrução Normativa nº 84, de 2001, ampliou o escopo para equiparar aos juros quaisquer reajustes nas parcelas ocorridos entre a data da celebração do contrato e os efetivos pagamentos. “Devem ser aplicados os dispositivos da legislação tributária do IRPF e IRRF que tratam do recebimento de juros e demais rendimentos no Brasil por pessoa física residente no exterior”, diz a Receita Federal na solução de consulta. Pela regra, o pagamento das segunda e terceira parcelas deveria ter sido quebrado em duas partes, sendo uma referente ao valor original em reais e a outra correspondente apenas ao acréscimo em função da variação cambial. Sobre o valor bruto do acréscimo, deveria ter sido retido e recolhido o IRRF, calculado à alíquota de 15%. Tratando-se de alienação de bem localizado no Brasil, a legislação brasileira estabelece a equiparação do tratamento fiscal dos ganhos de capital auferidos por residentes brasileiros e não residentes. A Receita reforça, na solução de consulta, que é devido o Imposto de Renda sobre o ganho de capital sempre que o bem ou direito alienado esteja localizado no território brasileiro, ainda que o adquirente não seja residente no país. No caso, quem comprou a participação societária é residente no exterior. Não tendo ocorrido a retenção do IRRF, cabe ao procurador no Brasil do residente no exterior, beneficiário do rendimento, apurar e pagar o imposto calculado à alíquota de 15%. Ela deve incidir sobre o acréscimo decorrente da variação cambial, quando o procurador não der conhecimento à fonte de que o proprietário do rendimento reside ou é domiciliado no exterior. De acordo com Jorge Lopes, do escritório Pinheiro Neto Advogados, o entendimento é bom para o contribuinte. Isso porque a tributação de ganho de capital se dá nas alíquotas entre 15% e 22,5%, a depender do valor envolvido, enquanto pelo entendimento da Receita a tributação fica em 15%, independentemente do valor. “Havia um certo receio por parte de quem paga, muita gente ficava desconfortável em tomar o risco”, afirma. Ainda segundo o advogado, apesar de a solução de consulta ter sido proposta por pessoa fisica, o entendimento vale para pessoas jurídicas. Para o advogado tributarista Leonardo Roesler, sócio do RMS Advogados, se antes havia alguma ambiguidade ou inconsistência na aplicação da retenção do IRRF sobre pagamentos relacionados à variação cambial positiva a residentes no exterior, a solução de consulta esclarece que essa retenção é obrigatória e estabelece a alíquota de 15%. “Isso pode significar uma mudança nas práticas de retenção de impostos para algumas empresas, requerendo uma revisão dos procedimentos de pagamento ao exterior”, diz. Caio Malpighi, do escritório VBSO Advogados, destaca que a novidade é ser uma manifestação da Cosit, portanto, vinculante. No caso concreto, a aplicação de regras de tributação de não residentes foi muito benéfica para o contribuinte. No entanto, acrescenta, “para um contribuinte sujeito às regras gerais de tributação de rendimentos, poderia ser mais vantajosa a tributação pelo ganho de capital”.
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