A operadora de saúde Prevent Senior fechou acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para suspender o andamento de cobranças tributárias (execuções fiscais) enquanto negocia o pagamento do que deve. É a primeira vez, segundo especialistas, que o órgão autoriza a medida, considerada uma exceção na lei que trata da chamada transação tributária. A norma proíbe expressamente a suspensão das cobranças tributárias. Pelo artigo 12 da Lei nº 13.988, de 2020, “a proposta de transação não suspende a exigibilidade dos créditos por ela abrangidos nem o andamento das respectivas execuções fiscais”. Porém, no parágrafo 1º do mesmo dispositivo, acrescenta não estar afastada a possibilidade da medida “por convenção das partes”. A suspensão é uma saída buscada por empresas nas esferas administrativa e judicial. Recentemente, uma gráfica no interior de São Paulo conseguiu liminar para paralisar sua execução. Entre os argumentos apresentados está o fato de estar em negociação para formalizar uma transação. Esse tipo de negociação, em geral, deve acontecer no chamado Negócio Jurídico Processual (NJP) – usado para definir os termos de uma transação tributária. Um total de 88 acordos (NJPs) já foram fechados – 44 em São Paulo.
Em geral, tratam de garantias ou trocas de garantias em execuções negociadas ou prazos de pagamentos. No termo do Negócio Jurídico Processual firmado entre os procuradores da Fazenda Nacional em São Paulo e a Prevent Senior está autorizada a suspensão do andamento de execução que trata de contribuições previdenciárias e contribuições ao Sistema S, que corre na 7ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo (processo nº 5005462-03.2023.4.03.6182). Pelo documento, ainda foram suspensos atos de cobrança judicial e administrativa sob responsabilidade da PGFN, em relação a débitos já inscritos na dívida ativa da União, e aqueles ainda em cobrança pela Receita Federal, declarados e não pagos até outubro de 2023. Como contrapartida, a Prevent Senior se comprometeu a pagar R$ 5 milhões, em até cinco dias depois do acordo. E, posteriormente, fazer pagamentos avulsos de R$ 4,5 milhões mensais até o último dia útil de cada mês.
Caso seja deferido o pedido de transação individual, esses valores pagos não entram no cálculo total para previsão dos descontos, mas serão abatidos da dívida total. O acordo tem duração de um ano e pode ser prorrogado. O advogado que assessora a Prevent Senior, Henri Matarasso Filho, do Matarasso Advogados, afirma que a negociação foi feita dentro dos limites do que a lei autoriza e deve ser o primeiro caso em que a procuradoria aceitou, em comum acordo, a suspensão das execuções. “A suspensão não traz qualquer prejuízo ao erário. Muito pelo contrário, valores da possível negociação começaram a ser pagos nas parcelas mensais, justamente por conta desse acordo”, diz. União passa a ter com um acordo a confissão do devedor” — Alberto Medeiros O acerto pode servir de inspiração para outras negociações, segundo Matarasso Filho. “Mas a negociação depende de cada caso, da situação de cada da empresa, do que se pode negociar”, afirma ele, acrescentando que pode ser interessante para a PGFN pela possibilidade de aumento imediato da arrecadação. A PGFN firmou, até o momento, aproximadamente 400 acordos de transação individual. Destes, 367 estão publicados no site do órgão, no Painel de Negociações.
Por nota, a PGFN informa que a princípio, não há suspensão de execução fiscal em razão de proposta de transação, mas que “embora não seja a regra, é possível, mas trata-se de ajuste entre as partes, não direito do contribuinte”. Ainda destaca que o Negócio Jurídico Processual firmado com a Prevent “não suspende a exigibilidade dos débitos, de modo que não há direito à emissão de certidão positiva com efeitos de negativa ou óbice ao registro no Cadin”. E acrescenta que o acordo “prevê o início do pagamento da dívida (independentemente de no futuro se deferir pedido de transação), bem como a confissão e o reconhecimento da dívida”. De acordo com o advogado Alan Viana, sócio do MJ Alves Burle e Viana Advogados, como a lei é expressa de que as execuções não ficam suspensas, o único caminho admitido para tentar paralisar as cobranças tem sido por meio do Negócio Jurídico Processual. “Acho saudável essa solução. Existem casos mais graves em que seria necessário suspender a execução, em comum acordo entre as partes, para abrir a mesa de negociação”, diz O acordo com a Prevent Senior realmente parece inédito, afirma o advogado Alberto Medeiros, que coordena o Núcleo de Transação Tributária do Carneiros Advogados.
Ele destaca que a contraprestação, no caso, está no pagamento das parcelas que depois podem ser abatidas da dívida total. “A vantagem é que a União passa a ter com esse NPJ a confissão do devedor de que ele reconhece aquele débito”, diz. As negociações, segundo Medeiros, têm caminhado nesse sentido de tentar suspender pelo menos parte das execuções. É o que ocorre em um caso que acompanha. As dívidas somam R$ 1 bilhão.
E parte – cerca de R$ 70 milhões – é de FGTS, que não pode ser parcelado. “Estamos tentando fazer um acordo para suspender a execução de dívidas de FGTS até que se feche a transação tributária, porque a empresa não tem como quitar esse valor à vista e isso acaba amarrando a possibilidade de acordo”, diz. Na Justiça, uma empresa familiar do interior de São Paulo, do ramo gráfico, que alega ter enfrentado uma grande crise em decorrência da pandemia e agora está negociando uma transação individual com a União, conseguiu uma liminar para suspender uma execução fiscal. A dívida gira em torno de R$ 15 milhões. De acordo com Lucas Muniz Tormena, do escritório Lavez Coutinho, que assessora a empresa, já foi apresentada a proposta de transação individual em julho, já foram feitas diversas reuniões, mas o caso ainda está longe de um desfecho. “Por isso, resolvemos levar a discussão ao Judiciário porque a empresa tem a intenção de regularizar sua situação, mas com as novas execuções e novas dívidas fica difícil de recuperar o contribuinte, enquanto ele negocia”, diz Apesar do pedido do advogado ser fundamentado no fato de estar em negociação para a efetivação de um acordo de transação, a decisão da juíza Luciana da Costa Aguiar Alves Henrique, da 1ª Vara Federal de São João da Boa Vista (SP), apenas suspende a execução, após ouvir a PGFN (processo nº 5002650-56.2023.4.03.6127).
Chamada pela juíza a se manifestar, a PGFN requereu a suspensão da execução fiscal, sob o argumento de que o caso está sujeito ao Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos (RDCC), previsto na Portaria PGFN nº 396/2016. Porém, nada falou sobre estar em curso uma transação tributária. Em nota, o órgão destaca que “a decisão judicial acolheu pedido da PGFN de suspender provisoriamente o processo com fundamento em critérios de eficiência da cobrança”. O órgão ainda reitera que o pedido ou proposta de transação não tem o efeito imediato de suspender processos judiciais e que o Judiciário tem sido fiel ao texto legal nesse ponto.

Fonte: Valor Econômico