O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem (28) o julgamento que vai definir se o ISS integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. Por enquanto, o placar está em quatro a dois contra a União e a expectativa dos contribuintes é de vitória. O otimismo leva em conta o voto de André Mendonça, único com posicionamento até então desconhecido e que foi a favor da tese das empresas. Na prática, se considerado o entendimento que havia no Plenário Virtual, antes de um pedido de destaque e deslocamento do tema para sessão presencial, e os posicionamentos relacionados à “tese do século”, já há uma maioria favorável aos contribuintes. O placar da tese do ISS, que começou no ano de 2020, estava empatado, no virtual, em quatro a quatro — no físico, o placar foi zerado, mantidos os votos dos ministros aposentados. A ação pode causar impacto de R$ 35,4 bilhões para a Fazenda Nacional em caso de derrota, segundo o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o ano de 2025. O julgamento não foi concluído ontem e será retomado em outra sessão, sem previsão de retorno à pauta. Votaram ontem três ministros: Dias Toffoli e Gilmar Mendes a favor da União e Mendonça, das empresas. E os votos dos ministros aposentados já proferidos nessa discussão foram preservados — o do relator, Celso de Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, todos favoráveis aos contribuintes. Por conta disso, não votam os ministros Nunes Marques, Flávio Dino e Cristiano Zanin, que os substituíram, respectivamente. A discussão se baseia no conceito de faturamento e se deveria ser aplicada a mesma conclusão da tese do século (Tema 69), que excluiu o ICMS da base do PIS e da Cofins, no ano de 2017. O voto de Mendonça era considerado decisivo pelos tributaristas porque não havia se manifestado. Além disso, o posicionamento de Luiz Fux e Mendes já era conhecido, pois votaram na tese do século — Fux pelos contribuintes e Mendes pela União. A discussão sobre o ISS é uma das filhotes da “tese do século”. Nesse caso, ficou definido que os valores do tributo estadual são meramente transitórios no caixa das companhias e têm como destino os cofres públicos. Agora, os ministros analisam se o mesmo raciocínio pode ser aplicado nesta ação. Como está em repercussão geral, a decisão impactará todos os casos semelhantes na Justiça. Votação Na sessão, Toffoli manteve seu voto, entendendo que o ISS integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. Ele relembrou a manifestação no Tema 69 e disse que “continua convencido que o ICMS integra a base de cálculo do PIS e da Cofins” e que o julgamento de 2017 “não conduz” ao mesmo desfecho nesse caso. Para ele, o consumidor final é quem paga os valores do tributo, por estarem integrados ao preço do produto ou serviço vendido ou ofertado pelas empresas, portanto, terminam fazendo parte da receita bruta das companhias e incorporados ao patrimônio delas de “maneira definitiva”. Já Mendonça acompanhou o relator, Celso de Mello (aposentado), e disse ser necessário preservar a jurisprudência da Corte. “Por coerência interna e integridade à jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, entendo imperativo estender as mesmas conclusões [do Tema 69] para o Tema 118”, afirmou, na sessão. Ele propôs uma modulação do tema, isto é, limitar os efeitos da decisão para a partir da publicação da ata de julgamento. Contexto O caso chegou ao STF no ano de 2008 por um recurso da empresa Viação Alvorada, concessionária que presta serviço de transporte rodoviário na cidade de Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre. Ela recorre de um acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) favorável à inclusão do ISS na base do PIS e da Cofins. A sentença também foi contra a empresa. O advogado da empresa no processo, o tributarista Heron Charneski, sócio do Charneski Advogados, defendeu que a tese do século deveria ser aplicada, por ser mais que filhote, e sim uma “tese-irmã”. “A empresa não fatura o valor do ISS, assim como não fatura o valor do ICMS”, disse ele, em sustentação oral. Já a representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Patricia Grassi Osório, também em sustentação oral, afirmou que “não há qualquer parentesco” entre os temas. “Não há aqui as mesmas razões de decidir do Tema 69”, disse. Na visão da União, o ISS deve ser encarado como despesa. “O ISS nada mais é do que um custo da atividade empresarial típica para quem explora determinada atividade econômica”, completou Patricia. A procuradora lembrou que o Supremo e Superior Tribunal de Justiça (STJ), em outros julgamentos, permitiram que um tributo possa compor a base de outro tributo. Citou o julgamento que declarou constitucional o ICMS na base da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) — imposto que também incide sobre receita — em 2021 (RE 1187264). “Essa Corte, portanto, permanece entendendo que tributo pode compor a base de cálculo de outro tributo ou dele mesmo”, completou. Os contribuintes foram derrotados em quatro teses sobre tributos na base de tributos e venceram três nas Cortes superiores. Outros seis temas ainda serão julgados. Durante o julgamento de hoje, o próprio ministro Barroso ressaltou a quantidade de temas semelhantes. “Com a benção de Deus, a reforma tributária vai acabar com essas discussões, se entra ou não na base de cálculo do PIS e Cofins, porque ninguém aguenta mais”, brincou. Análise A tributarista Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho, afirma que não é comum os ministros alterarem voto do Plenário Virtual para o físico em temas tributários. A perspectiva para os contribuintes é positiva, acrescenta, por conta do voto de Mendonça. “Era o que mais a gente precisava entender, porque não tinha diretriz sobre qual seria sua posição”, diz. “Precisamos aguardar uma série de desdobramentos, mas a sinalização é positiva”. Para Heron Charneski, o voto de Mendonça foi uma manifestação relevante. “Ele trouxe precedentes que formaram o conceito de faturamento e receita na jurisprudência do STF”, afirma ele em entrevista ao Valor. “Não se tem decisão definitiva, mas há um otimismo que a decisão [da tese do século] seja mantida.” Daniel Ávila, sócio do Locatelli Advogados, considera que os votos de Toffoli e Mendes não focaram tanto em conceitos jurídicos, mas no impacto fiscal para a União. “Tem pouca inclinação do Supremo em respeitar o que já foi definido no colegiado”, diz. Segundo ele, o artigo 926 do Código de Processo Civil (CPC) prevê que a jurisprudência nos tribunais seja respeitada. “Os votos dos ministros são mais vontades humanas do que técnica.”
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