A substituição tributária, para muito além da sua própria sistemática, ainda é um tema controverso no âmbito do contecioso administrativo tributário, vivenciado no Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP).

Isso ocorre não somente pela complexidade inerente à matéria, mas, também, pela própria falta de enfrentamento da questão perante a Câmara Superior do TIT/SP que, ao analisar a sistemática de recolhimento em questão, frequentemente não conhece do Recurso Especial e acaba por abordar a matéria somente sob o ponto de vista da possibilidade de ressarcimento dos valores pagos a maior.

Nessa esteira, inclusive, é indicada a leitura da pesquisa publicada nesta Seção, em 03 de julho de 2018, intitulada “Observatório do TIT: Substituição Tributária. Prevista na Constituição, a possibilidade de restituição de valores no regime é tema frequente no TIT/SP. 

A abordagem da substituição tributária exclusivamente sob a ótica do ressarcimento da substituição tributária do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS-ST) continua sendo, portanto, uma vertente praticada pela Câmara Superior do TIT/SP, quer seja para manter a glosa do crédito, quer seja para manter a acusação por erros na escrituração pertinente a tal ressarcimento, ou ainda, como forma de justificar o ressarcimento em situações nas quais não há incidência do ICMS-ST.

É o que pode ser verificado por ocasião do recente julgamento do recurso especial interposto pelo contribuinte no AIIM n° 4.048.942-5, que, apesar de não ter sido conhecido pela Câmara Superior, em sessão datada de 22 de fevereiro de 2022, expressamente deixou de lado a natureza das operações de saída destinadas a consumidores finais — fato que afasta a sistemática da substituição tributária —, mantendo a infração de falta de pagamento de ICMS-ST e prevendo o ressarcimento como única medida apta ao contribuinte para reaver eventual pagamento indevido.

Vale dizer que a relatoria de referido recurso especial foi atribuída ao juiz Juliano di Pietro que, em seu voto, apontou a nulidade absoluta da decisão recorrida, outrora proferida pela Décima Câmara Julgadora, fundamentando o seu posicionamento na ausência de motivação do acórdão proferido pelo Juízo “a quo”, e que deixou de se manifestar sobre o destino das mercadorias especificadas nos autos, nas saídas internas das mesmas, argumento elencado pelo contribuinte em seu recurso.

É válida a transcrição do trecho final do voto em questão, in verbis: “Pelo exposto, conheço do Recurso Especial[1] do Contribuinte ante o reconhecimento da nulidade do acórdão recorrido na parte em que deixou de se pronunciar quanto à ‘não subsunção à sistemática da substituição tributária, de operações de saídas destinadas a consumidores finais´, a fim de que outra seja proferida com a devida apreciação da matéria”.

A despeito do voto acima referido, o decisum preponderante foi o proferido em voto de preferência pelo juiz Fábio Henrique Bordini Cruz que, acompanhado pela maioria de seus pares, não conheceu do recurso especial interposto, porém, ainda que de forma sucinta, adentrou no exame de mérito da questão, mencionando não vislumbrar “tratar-se de nulidade absoluta”, mas sim, do quanto determinado pelo próprio artigo 426-A, do RICMS/00.

Em continuidade, e na esteira do quanto vem sendo protagonizado pela Câmara Superior do Tribunal de Imposto e Taxas do Estado de São Paulo, em suas razões de decidir, o juiz também fez alusão à possibilidade de ressarcimento de valores indevidamente pagos a titulo de ICMS-ST. Vejamos, in verbis: 

“[…] embora não seja caso de se examinar o argumento nesta instância recursal, fato é que ao determinar, o artigo 426-A do RICMS, o recolhimento do imposto quando da entrada da mercadoria no estabelecimento, por certo não se há de perquirir sobre seu destino, que cuida de evento futuro e incerto. O cometimento da infração se dá na entrada, com a não antecipação do imposto, sendo irrelevante, para esse fim, o destino que veio a ser dado à mercadoria.Se houve vendas a consumidores finais, a legislação prevê o caminho a ser percorrido pelo contribuinte para o ressarcimento, que a despeito de ser tortuoso ou não, não infirma a apresente acusação. […]”.

Situação que se assemelha àquela relatada no AIIM n° 4.048.942-5, é a ocorrida no AIIM n° 4.103.565-3, no qual o recurso especial apresentado pelo contribuinte foi julgado em sessão datada de 10 de maio de 2020, sendo que, igualmente, houve divergência entre o voto proferido pelo juiz relator Edson Aurélio Corazza e o voto de preferência do juiz Valério Pimenta de Morais.

In casu, tratava-se de creditamento indevido de ressarcimento de ICMS-ST, tendo o contribuinte escriturado a restituição de valores pagos de forma antecipada, em relação a mercadorias que posteriormente foram remetidas para fora do estado (saídas interestaduais), sendo que o contribuinte possuía saldo credor em sua apuração.

O juiz relator, nas razões de seu voto, conheceu parcialmente o recurso interposto, por entender que o paradigma apresentado prestava-se somente à análise da existência de saldo credor; e, com base nesta fundamentação, decidiu pelo cancelamento do AIIM em sua íntegra, pois, por ocasião da lavratura das infrações não foram considerados “os saldos credores quando da quantificação do débito”, em flagrante desrespeito ao princípio da não cumulatividade.

Por sua vez, o juiz com preferência, ao proferir o seu voto, também conheceu parcialmente do recurso especial em tela, porém, negou-lhe provimento quanto ao mérito. O decisum teve a sua fundamentação pautada no fato de que em outro julgado acerca do tema[2] a Corte Superior decidiu que a existência de saldo credor não descaracteriza a conduta ilícita do contribuinte, tendo em vista que a infração de creditamento indevido é mera conduta, sendo, portanto, irrelevante para a tipificação infracional se o saldo é credor ou devedor.

Este foi o voto vencedor, tendo sido acompanhado por quase a totalidade dos juízes que compunham a Câmara Superior do TIT, exceção feita ao I. relator que fora acompanhado pelo juiz Cesar Eduardo Temer Zalaf.

Das decisões proferidas nos Autos de Infração ora analisados, é possível perceber que o Tribunal Administrativo, mesmo em recente decisão, parece defender o ressarcimento de valores de ICMS-ST pagos indevidamente, mesmo na hipótese em que não há subsunção do fato à norma, para a cobrança do imposto por esta sistemática.

Nesse cenário, a possibilidade de restituição de valores nos casos em que não há a incidência de ICMS-ST parece surgir como uma espécie de “erro de proibição escusável”, o que teria o condão de permitir ao Tribunal Administrativo tratar o ressarcimento como uma causa excludente de qualquer ilicitude que venha a ser praticada na lavratura do Auto de Infração e Imposição de Multa, em especial em sua fundamentação, situação que é vedada por força do artigo 142 do Código Tributário Nacional[3].

Autoria:
Gisele Borghi Buhler – Pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT (NEF FGV-SP). Especialista em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Membro da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-SP, subseção Pinheiros. Ex-juíza do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Advogada. Consultora tributária. Palestrante e professora na área jurídica. Coautora de livros e escritora de matérias na área jurídica

Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin


[1] Do trecho transcrito, é possível extrair que o recurso especial interposto fora conhecido. No decorrer do seu voto, o relator evidenciou que, apesar de reconhecer a não caracterização do díssidio jurisprudencial, achou por bem conhecer do recurso por entender desnecessária a juntada de paradigma quando houver discussão de matéria de ordem pública, hipótese caracterizada pela ausência de motivação da decisão combatida.

[2] Autos referentes ao Processo DRT 05-4032954/2013. sessão de 14.08.2018.

[3] Sobre o tema é indicada a leitura da pesquisa publicada nesta Seção, em 10 de fevereiro de 2022, intitulada “Observatório do TIT: o erro de se corrigir o erro de direito. Alteração dos motivos determinantes do lançamento tributário.”, de Caio Augusto Takano.

 

Fonte: Jota