Um dos temas que geram bastante debate no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) é o da responsabilidade tributária, que busca imputar a responsabilidade pelo pagamento do tributo àquele que não o contribuinte.

Há recentes precedentes da Câmara Superior do TIT envolvendo esse tema, dentre os quais os analisados sob o foco da (i) responsabilidade supletiva do adquirente da mercadoria na ocasião de o remetente não recolher o tributo de forma antecipada no regime de substituição tributária e da (ii) responsabilidade solidária do adquirente que não participa do fato gerador do ICMS.

A respeito da responsabilidade supletiva, têm sido frequentes os casos em que os adquirentes de mercadorias se veem compelidos a recolher os valores de ICMS/ST em razão do não recolhimento desse imposto de forma antecipada pelo substituto.

Nessas situações, o estado de São Paulo tem se posicionado no sentido de exigir o tributo do adquirente com fundamento no art. 267, II, “b” do RICMS, segundo o qual “Não recolhido o imposto pelo sujeito passivo por substituição, tratando-se de débito não declarado em guia de informação, o débito fiscal poderá ser exigido do contribuinte substituído”.

O Fisco também entende que tal dispositivo legal tem fundamento no art. 66-C da Lei Paulista nº 6.374/89, que estabelece que a sujeição passiva por substituição não exclui a responsabilidade supletiva do contribuinte pela liquidação do crédito tributário. Essa norma disciplina o art. 128 do CTN, que dispõe que “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

Essa a matéria chegou novamente à Câmara Superior em razão do recurso especial interposto por uma empresa no Processo DRT 02 4094207-7/2017.

A linha de defesa sustentada foi a de que o Fisco não teria comprovado que as empresas fabricantes (substitutas) recolheram o ICMS-ST e que a cobrança desse imposto deveria ser realizada, primeiramente, em desfavor destas, por se tratar de responsabilidade supletiva, cuja extensão só é admitida após a comprovação da inércia do substituto. A autuada também sustentou que permitir o contrário seria o mesmo que concluir que se trata de responsabilidade solidária (e não supletiva), o que não pode ocorrer, porque não há previsão legal nesse sentido.

Em recente julgamento do caso (publicado em 22/09/2021), a Câmara Superior do TIT negou provimento ao recurso do contribuinte e, com isso, manteve a acusação fiscal sob o fundamento de que o ICMS-ST pode ser exigido do destinatário se o remetente da mercadoria deixar de recolher o imposto. Confira-se o breve trecho da ementa:

“Deixou de pagar o ICMS devido, na qualidade de sujeito passivo por substituição, por receber mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária, sem que houvesse comprovação da retenção antecipada do imposto devido pelas operações subsequentes; apesar de regularmente notificado nos termos do artigo 267, inciso II, alínea “b” do RICMS/00. O art. 267, II, b, do RICMS/00, está em perfeita sintonia com o que dispõe o art. 128 do CTN, que estatui categoria própria de responsabilização, a supletiva, em matéria de responsabilidade tributária por substituição, não havendo que se falar em benefício de ordem para a exigência do débito fiscal que deixou de ser oferecido em pagamento ao Fisco pelo contribuinte substituto, nem há que se falar em prévia notificação do substituto”.

O voto vencedor, proferido pela juíza Cacilda Peixoto (relatora), apontou que a decisão paradigma mencionada pelo contribuinte não se coaduna com o entendimento majoritário da Câmara Superior. Também destacou que esse colegiado, em mais de uma oportunidade, reconheceu que o art. 267, II, “b” do RICMS autoriza a exigência do imposto ao contribuinte substituído na hipótese de não ser recolhido pelo sujeito passivo por substituição, sem a necessidade de notificação prévia deste último.

Merece destaque o voto-vista proferido pelo juiz Alberto Podgaec, que divergiu do entendimento da relatora e foi acompanhado por cinco julgadores.

Para ele, nos casos em que não há retenção de ICMS-ST, a atribuição da responsabilidade pelo recolhimento do imposto para o adquirente somente poderá ser autorizada após a tentativa de cobrança da empresa remetente, sendo indevida a cobrança do imposto em face daquele se isso não ocorrer. Expôs que esse entendimento decorre da interpretação de que a responsabilidade supletiva tratada no art. 66-C da Lei nº 6.374/89 remete à conclusão de que é assessória, ou seja, somente pode ser atribuída ao substituído após o substituto ser acionado e não recolher o imposto.

Note-se, portanto, que, apesar de haver certa resistência por parte de alguns julgadores, é majoritário o entendimento da Câmara Superior no sentido de que a cobrança do ICMS-ST pode ser transferida ao destinatário da mercadoria na hipótese em que o substituto não recolher o imposto de forma antecipada, independentemente da comprovação ou não de que o Fisco tentou cobrar esse último.

Sintetizados os fundamentos do julgamento, é pertinente rememorar que esse tema já foi objeto de análise por este Observatório. No artigo intitulado “Responsabilidade tributária supletiva e a exigência do ICMS-ST”, publicado pelo JOTA no dia 6/11/2020, foi pontuado que a maioria dos juízes da Câmara Superior do TIT já seguia o entendimento supramencionado e que este, inclusive, já era objeto da Resposta à Solução de Consulta 22.085/2020, que reconhece a transferência automática da responsabilidade pelo recolhimento do ICMS-ST ao substituído (adquirente) quando houver a falta de pagamento pelo substituto (remetente). A conclusão foi a de que, baseando-se no entendimento da SEFAZ e da Câmara Superior, essa temática deverá ser resolvida no âmbito judicial.

É importante acentuar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu, em sede de recurso repetitivo (REsp 931.727/RS), sobre a impossibilidade de atribuição de responsabilidade supletiva ao substituído pelo não recolhimento do imposto pelo substituto. Nesse leading case, que teve como relator o ministro Luiz Fux, fixou-se o entendimento de que “a exigência de valor remanescente do substituído contraria a sujeição passiva atribuída integralmente ao substituto, este, sim, integrante da relação jurídica tributária”.

Em que pese esse julgado não seja atual, há recentes decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que aplicam os seus fundamentos[1], cujo entendimento que prevalece é o de que o art. 66-C da Lei nº 6.374/89, ao atribuir a responsabilidade supletiva ao substituído, apenas autoriza a responsabilidade do pagamento do tributo a este na hipótese de o substituto ser acionado e deixar de recolher o imposto.

Ainda sobre a temática “responsabilidade tributária”, há outro julgamento recente da Câmara Superior do TIT (publicado em 1/10/2021), desta vez analisado sob o foco da responsabilidade solidária de adquirente não contribuinte de ICMS em operações envolvendo empresa posteriormente declarada inidônea. Esse julgamento ocorreu no Processo DRT CIII 4025732-0/2013.

Em linhas gerais, uma empresa prestadora de serviço de transporte rodoviário foi autuada sob a acusação de que teria recebido mercadorias desacompanhadas de documentação fiscal idônea. Para o Fisco, a adquirente deveria exigir as notas fiscais quando recebeu as mercadorias, na linha do que dispõe o art. 203 do RICMS.  Como isso não ocorreu, a autoridade fiscal lançou o ICMS com fundamento no art. 11, XI c/c §1º do RICMS, o qual prescreve que são responsáveis solidários pelo pagamento do imposto as pessoas que tiverem interesse comum na situação que tiver dado origem à obrigação principal.

No julgamento do caso pela Segunda Câmara Julgadora do TIT, cujo relator foi o juiz José Orivaldo Peres Júnior, definiu-se que não se trata de um caso comum de responsabilidade solidária, pois foi consignado que é fato incontroverso que a empresa (i) não é contribuinte do ICMS, uma vez que suas atividades são de serviço de transporte rodoviário, atraindo a incidência de ISS; (ii) não praticou nenhuma infração com dolo, fraude, simulação ou conluio, ou seja, não agiu com má-fé; e (iii) adquiriu as mercadorias na condição de consumidor final.

Na ocasião, também foi registrado que o Fisco reconheceu tais fatos e, inclusive, a efetiva aquisição das mercadorias, porém entendeu que, como não houve prova da efetiva comprovação da operação mercantil, com a apresentação de comprovantes de pagamento, tratativas comerciais, comprovantes de transportes, dentre outros documentos, a empresa seria a responsável solidária pelo pagamento do imposto.

Com base em tais premissas, a Segunda Câmara Julgadora a afastou a exigência do imposto por solidariedade. Concluiu que o fato de a empresa não ser contribuinte do ICMS, e sim consumidora final, afasta a solidariedade prevista no art. 11, XI c/c §1º do RICMS, pois esta somente poderia ser imputada à empresa se houvesse prova de atos com dolo, fraude, simulação ou em conluio (quando comprovada a “má-fé”). Para o relator, não faz qualquer sentido presumir a solidariedade solidária em relação ao adquirente não contribuinte, “já que, por exemplo, não poderá se creditar do ICMS, salvo se agisse na participação da fraude ou da infração fiscal, como instrumento para favorecer ou beneficiar a empresa inidônea”.

Quando o caso chegou à Câmara Superior do TIT, o colegiado partiu para uma interpretação diferente.

No entender do juiz Marcelo Amaral Gonçalves de Mendonça (relator), acompanhado por votação unânime, o termo “destinatário” encampado no art. 203 do RICMS remete à conclusão de que todos os destinatários, contribuintes ou não, são obrigados a exigir documento fiscal. Entende que a aquisição de mercadorias com documentação posteriormente declarada inidônea é equiparada a recebimento de mercadoria desacompanhada de nota fiscal, tendo como efeito o resultado de presunção absoluta de “interesse comum” prevista no art. 124, I do CTN e no art. 11, XI c/c §1º do RICMS.

Tais considerações levaram o colegiado a concluir que a exigência do imposto por solidariedade deve ser mantida, bastando receber mercadorias sem documentos fiscais para caracterizar o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. Confira-se a ementa:

ICMS – Infrações relativas ao recebimento de mercadorias desacompanhadas de documentação fiscal idônea, com cobrança de imposto de não contribuinte por solidariedade, com fundamento no art. 11, XI c/c §1° do RICMS/00. RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. Preliminares de nulidade não acatadas. No mérito, conforme a legislação tributária, todos os destinatários de mercadorias ou serviços – contribuintes ou não – são obrigados a exigir documentação fiscal hábil. A exigência do imposto por solidariedade deve ser mantida, pois a aquisição de mercadorias com documentação inidônea é considerada sem documentação fiscal, e atrai a presunção de interesse comum e a responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto previstas no art. 11, XI c/c §1° do RICMS/00.

Percebe-se, portanto, que é unânime o entendimento da Câmara Superior no sentido de que o simples fato de receber a mercadoria desacompanhada de documentação fiscal idônea, por si só, autoriza a responsabilização do adquirente pelo pagamento do crédito tributário, independentemente de ser ou não contribuinte do ICMS.

Cumpre rememorar que esse tema já foi objeto de análise pelo Observatório em artigo publicado pelo JOTA em 31/10/2019, intitulado “A responsabilidade tributária do tomador de serviços”, ocasião em que foi pontuado que a Câmara Superior do TIT já seguia esse entendimento e que é contrário à jurisprudência dos Tribunais Superiores.

A esse respeito, é importante pontuar que, em recente julgamento[2], a Primeira Turma do STJ a concluiu que o “interesse comum” previsto no art. 124, I do CTN diz respeito a pessoas que se encontram no mesmo polo do contribuinte em relação à situação jurídica da exação, que deve envolver, necessariamente, uma atuação simultânea de duas ou mais pessoas numa situação que configure o fato gerador do tributo, que no caso do ICMS são duas ou mais pessoas na condição de comerciantes ou vendedores, e não de consumidor final.

Para o colegiado, permitir o contrário “levaria à insólita situação de permitir ao fisco que, a pretexto de existir o “interesse comum”, pudesse exigir de qualquer comprador, inclusive consumidor final, o tributo na cadeia comercial pelo contribuinte de direito”.

Em outro julgamento do STJ, concluiu-se que “O interesse comum, como requisito da corresponsabilidade tributária, envolve, necessariamente, a atuação de mais de uma pessoa na situação de conformação do fato gerador do tributo. (…) Trata-se, na verdade, de atuação simultânea e conjunta de mais de uma pessoa na anterior situação configuradora do próprio fato gerador. Se assim não fosse, qualquer indivíduo, que auferisse alguma benesse do percebente da renda, poderia ser designado corresponsável tributário”[3].

Os julgados mais recentes do STJ, portanto, ratificam que somente haverá interesse comum para o fim de ocasionar a responsabilidade solidária se dois sujeitos estiverem no mesmo polo da relação jurídica, o que não pode ser confundido com alguém que não tenha tido qualquer relação com a ocorrência do fato gerador.

Diante destas considerações, conclui-se que os julgamentos da Câmara Superior analisados no presente artigo confirmam que esta, nos últimos anos, não alterou o seu entendimento sobre as temáticas envolvendo a responsabilidade supletiva e solidária, o qual, entretanto, parece não observar a jurisprudência firmada no âmbito judicial. 

Autoria:

Danilo Bertagnoli[4]

Coordenação:

Eurico Marcos Diniz de Santi

Eduardo Perez Salusse

Lina Santin

Dolina Sol Pedroso de Toledo

Kalinka Bravo

 

[1]Apelação Cível 1018402-55.2020.8.26.0053, 12ª Câmara de Direito Público; relator Osvaldo de Oliveira, publicado em 26/02/2021; Apelação Cível 1501174-10.219.8.26.0323, 13ª Câmara de Direito Público, relator Djalma Lofrano Filho; publicado em 27/10/2020;

[2] AREsp 1312954/GO

[3] REsp 1.273.396, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 12/12/2019.

[4] Advogado. Graduado em Direito (Mackenzie). Pós-graduado em Direito Tributário (FGV). Membro da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB/SP de Pinheiros.

 

Fonte: Jota