A Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, promoveu significativa alteração no Sistema Tributário Nacional, principalmente no que concerne à tributação sobre o consumo.

Diversas foram as alterações e neste breve artigo abordaremos algumas questões ainda pendentes de definição, relacionadas com as alíquotas de referência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), fixadas pelo Senado, e com as alíquotas próprias do IBS, fixadas por estados e municípios e pelo Distrito Federal, e a alíquota própria da CBS, fixada pela União.

Nesse sentido, importa destacar que, a par da simplificação do sistema tributário, um dos fundamentos da EC 132/2023 consistiu, especificamente, na manutenção da mesma arrecadação alcançada com os atuais PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS, em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB) –, evitando-se, dessa forma, futuro aumento em relação à atual carga tributária.

Para tanto, o Senado deverá fixar, anualmente — § 1º do artigo 130 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) —, alíquotas de referência para o IBS e para a CBS, de modo a manter a carga tributária atual, proporcionalmente ao PIB, sendo que a alíquota de referência total corresponderá à soma das alíquotas de referência do IBS e da CBS. Essa é a principal função das alíquotas de referência.

Limites

 

Conforme disposto no caput do artigo 130 do ADCT, a fixação das supracitadas alíquotas de referência deverá observar os limites previstos em lei complementar. Confira-se:

“Art. 130. Resolução do Senado Federal fixará, para todas as esferas federativas, as alíquotas de referência dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal, observados a forma de cálculo e os limites previstos em lei complementar, de forma a assegurar:” (grifos do articulista)

Considerando que, consoante doutrina de Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito (8ª ed., Freitas Bastos, 1965, p. 262), “é princípio basilar de hermenêutica jurídica, aquele segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda”, resulta inconteste que ao utilizar a palavra “limites”, no plural, quis o constituinte reformador referir-se, logicamente, aos limites superior e inferior das alíquotas de referência.

Tanto é assim que nos incisos I, II e III do referido artigo 130 o constituinte consignou que as alíquotas de referência do IBS e da CBS deverão ser suficientes (limite inferior) para compensarem as perdas de arrecadação relacionadas com o PIS, a Cofins, o IPI, o IOF sobre operações de seguros, o ICMS, as contribuições destinadas a fundos estaduais e o ISS. In verbis:

“Art. 130. Resolução do Senado Federal fixará, para todas as esferas federativas, as alíquotas de referência dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal, observados a forma de cálculo e os limites previstos em lei complementar, de forma a assegurar:

I – de 2027 a 2033, que a receita da União com a contribuição prevista no art. 195, V, e com o imposto previsto no art. 153, VIII, todos da Constituição Federal, seja equivalente à redução da receita:

a) das contribuições previstas no art. 195, I, “b”, e IV, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239, todos da Constituição Federal;

b) do imposto previsto no art. 153, IV; e

c) do imposto previsto no art. 153, V, da Constituição Federal, sobre operações de seguros;

II – de 2029 a 2033, que a receita dos Estados e do Distrito Federal com o imposto previsto no art. 156-A da Constituição Federal seja equivalente à redução:

a) da receita do imposto previsto no art. 155, II, da Constituição Federal; e

b) das receitas destinadas a fundos estaduais financiados por contribuições estabelecidas como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relativos ao imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, em funcionamento em 30 de abril de 2023, excetuadas as receitas dos fundos mantidas na forma do art. 136 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

III – de 2029 a 2033, que a receita dos Municípios e do Distrito Federal com o imposto previsto no art. 156-A seja equivalente à redução da receita do imposto previsto no art. 156, III, ambos da Constituição Federal.” (Grifos do articulista)

Outrossim, o constituinte fixou, no inciso I do § 3º c/c § 4º, ambos do artigo 130 do ADCT, que a alíquota de referência da CBS deverá, caso a média da Receita-Base da União em 2027 e 2028 exceda o limite superior correspondente ao “Teto de Referência da União”, ser reduzida em 2030, e, no inciso II do § 3º c/c § 5º, ambos do artigo 130 do ADCT, estabeleceu que as alíquotas de referência da CBS e do IBS deverão, caso a média da Receita-Base Total entre 2029 e 2033 exceda o limite superior correspondente ao “Teto de Referência Total”, ser reduzidas em 2035. Vejamos:

“Art. 130. (…)

§3º Para fins do disposto nos §§ 4º a 6º, entende-se por:

I – Teto de Referência da União: a média da receita no período de 2012 a 2021, apurada como proporção do PIB, do imposto previsto no art. 153, IV, das contribuições previstas no art. 195, I, “b”, e IV, da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239 e do imposto previsto no art. 153, V, sobre operações de seguro, todos da Constituição Federal;

II – Teto de Referência Total: a média da receita no período de 2012 a 2021, apurada como proporção do PIB, dos impostos previstos nos arts. 153, IV, 155, II e 156, III, das contribuições previstas no art. 195, I, “b”, e IV, da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239 e do imposto previsto no art. 153, V, sobre operações de seguro, todos da Constituição Federal;

III – Receita-Base da União: a receita da União com a contribuição prevista no art. 195, V, e com o imposto previsto no art. 153, VIII, ambos da Constituição Federal, apurada como proporção do PIB;

IV – Receita-Base dos Entes Subnacionais: a receita dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o imposto previsto no art. 156-A da Constituição Federal, deduzida da parcela a que se refere a alínea “b” do inciso II do caput, apurada como proporção do PIB;

V – Receita-Base Total: a soma da Receita-Base da União com a Receita-Base dos Entes Subnacionais, sendo essa última:

a) multiplicada por 10 (dez) em 2029;

b) multiplicada por 5 (cinco) em 2030;

c) multiplicada por 10 (dez) e dividida por 3 (três) em 2031;

d) multiplicada por 10 (dez) e dividida por 4 (quatro) em 2032;

e) multiplicada por 1 (um) em 2033.

§4º. A alíquota de referência da contribuição a que se refere o art. 195, V, da Constituição Federal será reduzida em 2030 caso a média da Receita-Base da União em 2027 e 2028 exceda o Teto de Referência da União.

§5º. As alíquotas de referência da contribuição a que se refere o art. 195, V, e do imposto a que se refere o art. 156-A, ambos da Constituição Federal, serão reduzidas em 2035 caso a média da Receita-Base Total entre 2029 e 2033 exceda o Teto de Referência Total.” (Grifos do articulista)

No que tange às alíquotas próprias do IBS, o inciso V do § 1º do artigo 156-A da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 – CF/1988 –, estabelece que elas serão fixadas por cada estado e município e pelo Distrito Federal, mediante lei específica, sendo que, em caso de não fixação da respectiva alíquota própria, o ente federativo deverá utilizar a alíquota de referência fixada pelo Senado. Confira-se:

“Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.

§1º. O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte:

(…)

V – cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica;

(…)

VII – será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação;

(…)

XII – resolução do Senado Federal fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, nos termos de lei complementar, que será aplicada se outra não houver sido estabelecida pelo próprio ente federativo;” (grifos do articulista)

Ademais, no tocante às alíquotas próprias do IBS, acresça-se que o constituinte estabeleceu, expressamente, um limite inferior para elas, conforme disposto no § 6º do artigo 131 do ADCT. Senão vejamos:

“Art. 131. De 2029 a 2077, o produto da arrecadação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o imposto de que trata o art. 156-A da Constituição Federal será distribuído a esses entes federativos conforme o disposto neste artigo.

(…)

§6º. Durante o período de que trata o caput deste artigo, é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios fixar alíquotas próprias do imposto de que trata o art. 156-A da Constituição Federal inferiores às necessárias para garantir as retenções de que tratam o § 1º deste artigo e o art. 132 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.” (grifos do articulista)

Quanto ao limite superior para as alíquotas próprias do IBS o constituinte quedou-se silente. Portanto, verifica-se que as alíquotas próprias do IBS possuem limites inferiores (§ 6º do artigo 131 do ADCT), mas não possuem limites superiores.

Com relação à alíquota própria da CBS, não se encontra na CF/1998 qualquer imposição de limite, seja ele superior ou inferior, por conseguinte, infere-se que, a princípio, a alíquota própria da CBS poderá ser livremente fixada pela União, por meio de lei ordinária (§ 15 do artigo 195 da CF/1988).

Ministério da Fazenda e Câmara dos Deputados divergem
Posto isso, poder-se-ia indagar se as alíquotas de referência, fixadas pelo Senado, além da função primordial de balizarem a manutenção da carga tributária atual, proporcionalmente ao PIB, poderiam, também, exercer o papel de limitadoras das alíquotas próprias do IBS (estados, municípios e Distrito Federal) e da CBS (União).

Entende o Ministério da Fazenda que “A União, cada Estado e cada Município terá autonomia para fixar, por lei, sua alíquota-padrão acima ou abaixo da alíquota de referência, de modo a manter a autonomia federativa de cada ente na gestão de sua receita” [1] (grifos do articulista).

Por sua vez, a Câmara dos Deputados entende que “Cada estado e município poderá ter sua própria alíquota, mas uma alíquota de referência fixada pelo Senado será o patamar mínimo para viabilizar a transição de rateio da arrecadação até 2077. Até essa data, nenhum ente federativo poderá fixar alíquota própria em substituição se for menor que a de referência” [2]. (Grifou-se)

Apesar dessa falta de consenso entre o Ministério da Fazenda e a Câmara dos Deputados, nós, a nosso turno, entendemos que a CF/1988 não tolheu a autonomia de cada ente federativo para, mediante lei específica, fixar suas respectivas alíquotas próprias do IBS e da CBS, salvo, em relação ao IBS, a limitação prevista no supracitado § 6º do artigo 131 do ADCT (limite inferior).

Dessa forma, o legislador constitucional, em consonância com o disposto no inciso I do § 4º do artigo 60 da CF/1988, preservou a autonomia dos entes federativos na gestão de suas receitas tributárias.

Não obstante, mesmo não havendo na CF/1988, expressamente, a imposição de limites superiores para a fixação das alíquotas próprias do IBS e da CBS, considerando que a EC 132/2023, repita-se, teve como um de seus fundamentos a manutenção da carga tributária atual, em proporção ao PIB, entendemos que as unidades da Federação, ao fixarem suas respectivas alíquotas próprias para o IBS e para a CBS, embora possam fixá-las em patamares superiores aos das alíquotas de referência estabelecidas pelo Senado, deverão observar o “Teto de Referência Total”, previsto no inciso II do § 3º do artigo 130 do ADCT, sob pena de, em não o fazendo, promoverem um aumento da carga tributária e, dessa forma, quebrarem uma das vigas mestras da reforma tributária promovida pela EC 132/2023.

Em outros termos, entendemos que, ainda que os limites superiores para as alíquotas próprias do IBS e da CBS não estejam expressamente consignados na CF/1988, implícita ou indiretamente eles estão e correspondem ao sobredito Teto de Referência Total, o qual, tal como as alíquotas de referência, deverá ser corrigido anualmente, de forma proporcional à variação do PIB, a fim de impedir o indesejado aumento da carga tributária.

Conclusão
Ao fim e ao cabo, nos parece claro que, sendo a manutenção da carga tributária atual, em proporção ao PIB, uma conditio sine qua non da reforma tributária, os entes federados poderão, na medida em que seus antigos tributos forem sendo eliminados, majorar suas alíquotas do IBS e da CBS no montante necessário para neutralizar suas perdas de arrecadação, respeitados os limites explícita ou implicitamente estabelecidos pela CF/1988.

Desse modo, após o término da transição, no longínquo ano de 2077, a alíquota da CBS convergiria para o valor necessário para repor a totalidade das receitas perdidas a título de IPI, IOF sobre operações de seguros, PIS e Cofins, em proporção ao PIB atual, após, consoante inciso I do artigo 130 do ADCT, serem deduzidas as receitas auferidas com o novel Imposto Seletivo, e as alíquotas do IBS convergiriam para os valores necessários para repor os totais das receitas perdidas a título de ICMS, contribuições destinadas a fundos estaduais e ISS, também proporcionalmente ao PIB atual.

 

 

[1] disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/estudos/8-8-23-nt-mf_-sert-aliquota-padrao-da-tributacao-do-consumo-de-bens-e-servicos-no-ambito-da-reforma-tributaria-1.pdf

[2] disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/1027513-SAIBA-MAIS-SOBRE-O-IBS,-NOVO-IMPOSTO-PREVISTO-NA-REFORMA-TRIBUTARIA#:~:text=Cada%20estado%20e%20munic%C3%ADpio%20poder%C3%A1,menor%20que%20a%20de%20refer%C3%AAncia.

Alberto Sobrinho Neto
é especialista em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense.