A Constituição, em seu artigo 156, §2º, inciso II, prevê que o ITBI, imposto exigido pelos municípios sobre a transmissão de bens imóveis, não incide na incorporação ao patrimônio da pessoa jurídica em caso de integralização de capital.

Sobre esse assunto, o Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2020, decidiu pelo rito da repercussão geral (Tema 796) que a imunidade acima descrita do ITBI não alcança a parcela que exceder o limite do capital social integralizado. Em outras palavras, quando o valor do imóvel for superior, o imposto poderá ser cobrado sobre a diferença constituída em reserva de capital.

Tal decisão é alvo de críticas no campo jurídico, pois acabou ampliando o texto constitucional e, consequentemente, restringindo a imunidade concedida, sob o fundamento de adoção de interpretação teleológica.

Contudo, em 2021, o Rio de Janeiro ampliou até mesmo o que foi decidido pelo STF, pois alterou a lei municipal instituidora do ITBI no município para acrescentar que o imposto também deve ser cobrado sobre a diferença positiva entre o valor alocado à conta capital e o valor venal do imóvel (Lei Municipal nº 7000/2021, que acrescentou o §9º ao artigo 6º da Lei Municipal nº 1.364/88).

 

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Se a decisão do STF já pode ser tratada como uma inovação à Constituição, o Rio de Janeiro foi muito além, pois não há nada ali que indique remotamente que a cobrança pode ser feita nesses termos.

Em primeiro lugar, o STF nunca autorizou a cobrança do ITBI sobre a diferença positiva entre o valor venal e o valor objeto de integralização na conta capital. O que restou decidido apenas é que o imposto deve incidir sobre a parcela do imóvel que ultrapassar o capital social integralizado, constituída em reserva de capital.

Além disso, o próprio dispositivo não é razoável. O valor venal é obtido por meio de uma avaliação unilateral da prefeitura. Na integralização de imóveis, o valor contábil, por exigência da legislação societária, é amparado por laudo produzido por empresa especializada, que realiza uma avaliação muito próxima do real valor de mercado. Sem nenhuma surpresa, o valor venal, não raras vezes, é muito superior se comparado ao valor constante do laudo que ampara o valor contábil.

Em suma, o referido dispositivo legal é claramente inconstitucional e ilegal, pois criou nova hipótese de cobrança do ITBI que não possui previsão na Constituição ou no Código Tributário Nacional.

Na prática, o Rio de Janeiro, se aproveitando do precedente criado pelo STF, restringiu ainda mais a imunidade do ITBI, com o único objeto de aumento da arrecadação tributária municipal.

O que se pode esperar é que, no momento oportuno, tal dispositivo municipal seja declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário por se tratar de evidente prática arrecadatória realizada por ente público sem previsão constitucional.

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Gustavo Treistman
é advogado da área tributária do Veirano Advogados