Em 24 de julho de 2024, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.205/2024 com o objetivo de regulamentar as novas regras relativas à exclusão de multas e juros sobre débitos em discussão nos processos administrativos decididos pelo voto duplo, também conhecido como “voto de qualidade”. No entanto, essa instrução normativa foi além de sua função ao impor restrições não previstas em lei aos processos dos contribuintes.
Após anos de discussão, inclusive no STF (Supremo Tribunal Federal), sobre a validade do voto duplo dado por um representante do Fisco em julgamentos empatados devido à formação paritária das turmas julgadoras (número igual de representantes do fisco e dos contribuintes), o governo federal editou a Lei nº 14.689, de 20 de setembro de 2023, alterando dispositivos do Decreto nº 70.235/1972.
Essa lei decidiu pela manutenção do voto duplo, estabelecendo que, nos casos decididos favoravelmente ao Fisco, as multas deveriam ser excluídas e, se aplicável, a representação para fins penais cancelada. Além disso, se o contribuinte optasse por quitar o débito no prazo de 90 dias após o julgamento, os juros também seriam excluídos.
Contudo, a nova instrução normativa pretende restringir os benefícios da lei, ao prever que a exclusão da multa não se aplicaria às multas isoladas, aduaneiras e moratórias (aquelas de 20%).
Essa restrição constitui uma grave violação ao princípio constitucional da legalidade, conforme previsto no artigo 97 do Código Tributário Nacional, uma vez que uma norma infralegal não pode restringir os efeitos da lei, mas apenas regulamentá-la, definindo os procedimentos para sua aplicação e esclarecendo pontos específicos.
Benefício não valeria em julgamentos do Carf
Outra violação sensível cometida pela instrução normativa é a afirmação de que os “benefícios” concedidos pela lei não poderiam ser aplicados aos casos julgados definitivamente pelo Carf até 12 de janeiro de 2023.
Do ponto de vista das multas, a IN RFB nº 2.205/2024 afronta o artigo 106, II, “c” do CTN, que estabelece que uma lei que imponha penalidade mais benéfica em relação à anteriormente aplicada deve ter efeitos retroativos, de modo a reduzir a exigência em curso, seja em discussão administrativa, judicial ou mesmo pendente de pagamento.
No que se refere à representação criminal, a violação é a mesma. A manutenção da representação criminal em caso de encerramento do processo pelo voto duplo fere o princípio do in dubio pro reo, que garante que o réu não pode ser condenado em caso de dúvida.
Por fim, a instrução normativa ainda criou uma regra que determina que o pagamento realizado com exclusão da multa e dos juros constitui uma confissão irretratável do débito, impedindo o contribuinte de ajuizar ação judicial para questionar a exigibilidade do débito pago. Isso configura mais uma violação à Constituição, especificamente ao direito fundamental de acesso à justiça previsto no inciso XXXV do artigo 5º, além de transgredir o princípio da legalidade.
Como se pode observar, a norma em questão possui diversos pontos passíveis de questionamento, o que provavelmente levará os contribuintes e as associações representativas da classe ao Poder Judiciário, aumentando a litigiosidade sobre o tema e frustrando o objetivo da Lei nº 14.689/2024.
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