Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reforçou um entendimento crucial para o cenário tributário brasileiro ao julgar o Recurso Especial nº 2.034.975, tema representativo de controvérsia (Tema 1.191), e fixar a seguinte tese:
“Na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN.”
A corte afastou a aplicação do artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN) em casos em que o contribuinte substituído revende mercadorias por um valor inferior à base de cálculo presumida. O julgamento, confirmou o entendimento adotado desde 2022 [1] e trouxe segurança jurídica ao consolidar a tese de que, na sistemática da substituição tributária para frente, o direito à restituição do ICMS retido a maior não depende da comprovação de repasse ao consumidor final, distanciando-se das regras de repetição de indébito previstas no artigo 166 do CTN.
As razões de decidir do leading case foram no sentido de que o artigo 166 estaria inserido na seção de “pagamento indevido”, cujas hipóteses estão previstas no artigo 165, ambos do CTN, não se aplicando ao caso de pagamento do ICMS devido por substituição tributária em que o fato gerador ocorra posteriormente por valor menor que o presumido.
De acordo com os ministros, o direito do contribuinte substituído a reaver a diferença do ICMS retido a maior pelo substituto tributário está baseado no artigo 150, §7º, da Constituição, assim como no artigo 10 da Lei Complementar nº 87/1996, configurando hipótese de mero ressarcimento.
O acórdão partiu de fundamentos precisos e que não merecem reparos, para afastar a aplicação do artigo 166, do CTN, na medida em que o artigo precedente (artigo 165) confere ao “sujeito passivo” o direito à restituição do tributo no caso de (1) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação aplicável, (2) erro na edificação do sujeito passivo ou aspecto quantitativo e (3) alteração de decisão condenatória.
No caso da retenção do ICMS devido por substituição tributária, é o contribuinte substituto que atua como sujeito passivo da obrigação tributária decorrente do fato gerador a ser praticado pelo contribuinte substituído.
Além disso, não há pagamento espontâneo de tributo indevido, uma vez que o ICMS-ST é calculado e retido pelo contribuinte substituto com base em valores que se presumem ocorrerem no futuro, de forma que, caso não se confirmem, o direito à recuperação da diferença não decorre de pagamento espontâneo maior do que o devido
Por outro lado, o artigo 10 da Lei Complementar nº 87/1996, combinado com o artigo 150, §7º, dispõe exatamente sobre hipótese em que a lei atribui sujeição passiva a responsável pelo pagamento de imposto em fato gerador presumido e não concretizado (ainda que parcialmente, como no caso objeto do julgamento em análise)
Para casos em que há antecipação do ICMS (substituição “para frente”), o recolhimento do imposto é exigido antes da ocorrência do fato gerador, com base em uma presunção legal, já considerando todas as etapas da cadeia comercial (que são extremamente variáveis e de difícil controle) até o consumidor final.
Voto de Benedito Gonçalves e Tema 201/STF
O contribuinte que adquire produto que já sofreu a retenção do ICMS por substituição tributária e a revende por preço menor do que aquele considerado como base de cálculo presumida certamente não repassa essa diferença ao consumidor final, suportando integralmente o ônus tributário correspondente.
Essa dinâmica foi efetivamente explorada no voto do ministro Benedito Gonçalves, quando do julgamento do Agravo Interno em REsp nº 1.949.848/MG [2], em que entendeu desnecessária a exigência de comprovar que não houve repasse financeiro ao consumidor final, tal como exigido pelo artigo 166 do CTN, eis que se está diante de hipótese não ocorrida.
É importante rememorar que, no julgamento do Tema nº 201, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que é devida a restituição da diferença do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida, de modo que o direito à recuperação é incontestável.
Com fundamento nessa decisão do STF, os contribuintes substituídos, buscam recuperar o valor do ICMS retido por substituição tributária na hipótese de realização de fatos geradores com valores menores do que aqueles utilizados como base de cálculo presumida, porém a administração estadual exige a autorização de consumidores finais, aplicando os termos do artigo 166, do CTN e dificultando a recuperação dos valores pleiteados pelos contribuintes.
Nesse sentido, diversos tribunais administrativos [3] exigem a autorização do consumidor final, mesmo em casos em que essa prova seria impossível em razão da ampla pulverização das vendas (além das questões lógicas supramencionadas).
Controvérsia pacificada
Com a decisão proferida pelo STJ sobre o Tema 1.191, resta evidente a inconstitucionalidade e ilegalidade da restrição enfrentada pelos contribuintes no âmbito administrativo, vez que ficou clara a distinção entre a restituição do ICMS-ST em caso de fato gerador praticado com valor menor que o utilizado como base de cálculo presumida e a repetição de indébito de que trata o artigo 165 do CTN.
Cabe pontuar que o precedente em análise é de observância obrigatória pelo Poder Judiciário, uma vez que a Repercussão Geral ou Recurso Repetitivo necessitam de Resolução do Senado Federal para fins de vinculação da autoridade administrativa, nos termos do artigo 52, X, da Constituição, ou ainda, de um ato normativo que determine a vinculação da administração tributária aos julgamentos proferidos em sede de recursos repetitivos, como há no âmbito federal (artigo 19-A da Lei nº 10.522/2002).
Significa, pois, que algum obstáculo ainda pode ser enfrentado pelo contribuinte substituído para o exercício de seu direito. Não obstante, a controvérsia, na esfera judicial, foi pacificada, restando reconhecido que as limitações do artigo 166 do CTN não se aplicam a casos dessa natureza.
Por fim, verifica-se que o tema ainda será objeto de julgamento de embargos de declaração e, portanto, não há um desfecho definitivo, mas, considerando que o STJ se inclinou no mesmo sentido desde 2022, e que não há, atualmente, uma modificação significativa de jurisprudência, a hipótese não se amolda ao quanto previsto no artigo 927, §3º, do Código de Processo Civil [4]. Por essa razão, é provável que a decisão não sofra alterações.
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