O governo federal poderá ter dificuldades para arrecadar o que projeta por meio do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Ontem, na retomada dos julgamentos pela 1ª Turma da Câmara Superior, última instância do órgão, 55 dos 75 casos previstos para a semana foram retirados da pauta. Dois deles envolvem grandes empresas e valores bilionários. Um dos motivos é o fato de serem julgamentos virtuais e haver, nesses casos, a possibilidade de advogados ou procuradores pedirem a retirada dos processos para que sejam julgados presencialmente. O que prejudica também os trabalhos do Carf, desde o ano passado, é a paralisação dos auditores fiscais da Receita Federal, que reivindicam o cumprimento de acordo firmado para o pagamento do bônus de produtividade. O Carf era uma das apostas do governo federal para arrecadação em 2023. No fim do ano, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou, em coletiva de imprensa, que a volta do voto de qualidade ao Carf – o desempate pelo presidente da turma, representante da Fazenda – não gerou as receitas previstas, mas que teria impacto em 2024. Em novembro, o estoque do Carf estava em R$ 1,155 trilhão. Quase um terço do valor está concentrado em 174 processos, que discutem cobranças acima de R$ 1 bilhão. Dois deles estavam pautados para esta semana, mas foram retirados da pauta. Um dos casos envolve a Telefônica. Envolve cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL por amortização indevida de ágio, no valor de R$ 4,9 bilhões. O outro caso discute uma multa qualificada – de 150% – no valor de R$ 4 bilhões recebida pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em razão da greve dos auditores fiscais, as sessões na Câmara Superior têm que ser realizadas com quórum paritário – quatro conselheiros indicados pela Fazenda e quatro pelos contribuintes. No entanto, embora os representantes da Fazenda tenham comparecido, pediram a retirada de pauta de seus processos. A decisão do STJ atendeu a pedido apresentado pela Advocacia Geral da União (AGU). “Não relataremos em respeito a nossos colegas auditores que se encontram em greve. Por decisão também em assembleia do nosso sindicato”, afirmou ontem, na sessão, o conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto, representante da Fazenda. O conselheiro destacou que ainda não foi cumprido o acordo feito em 2016 para o bônus de eficiência e que o valor, que vem sendo pago temporariamente, poderá, inclusive, ser reduzido, após decreto editado em 2023. Em dezembro, 70% dos representantes da Fazenda pediram renúncia coletiva, o que demonstra o alto grau de insatisfação da categoria, segundo informou, no início da sessão, o conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado. Ele afirmou que a situação está indefinida há muito tempo, mas que ele e os demais conselheiros representantes da Fazenda vão cumprir a decisão judicial e participar dos julgamentos, garantindo a paridade. “Nós, conselheiros da 1ª Turma, demos o maior voto de confiança possível durante muito tempo, não paralisamos nossas atividades, apesar de apoiarmos a manifestação anterior dos auditores. Fomos até o limite da nossa condição de participação e percebemos que toda essa entrega e esforço não parece repercutir no sentido de resolução da questão”, disse. Os pedidos de retirada de processos da pauta, de acordo com o ex-conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, da Nader Quintella Consultoria, são um desdobramento natural e “um efeito esperado” da tentativa de se prosseguir com o funcionamento normal do tribunal durante o enfrentamento da greve, ao invés de se aguardar uma resolução, como feito nas últimas vezes. A paralisação dos auditores fiscais tem como uma das reivindicações centrais o cumprimento integral do Plano de Aplicação do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf) para o ano de 2024. Segundo o sindicato da categoria, há sete anos, os auditores fiscais aguardam a concretização do acordo que deu origem à Lei nº 13.464, que prevê o pagamento de bônus de eficiência, um adicional à categoria. Apesar da regulamentação em 2023, o projeto de lei orçamentária anual (PLOA) não prevê recursos para a sua efetiva realização. Os julgamentos da 1ª Turma da Câmara Superior do Carf seguem até amanhã. As chamadas “turmas baixas”, que analisam os casos antes da Câmara Superior, também realizam sessões – nesta semana são os processos da 2ª Seção. Nas próximas semanas, há previsão de julgamentos nas outras duas seções de julgamento, tanto na Câmara Superior quanto nas turmas baixas. Procurado pelo Valor, o Ministério da Fazenda não deu retorno até o fechamento da edição.
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