A Emenda Constitucional nº 132/2023 modificou a tributação sobre o consumo no Brasil, ao instituir o IVA-Dual e estabelecer uma tributação específica sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, conforme previsto no artigo 153, inciso VIII da CF de 1988:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.”

Embora, se afirme que o Imposto Seletivo seja uma inovação da reforma tributária, merece destaque que a tributação seletiva já faz parte da realidade brasileira, tendo em vista que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) já cumpria esse papel [1].

A tributação seletiva vem no sentido de garantir que o consumo de bens e serviços que resultem em externalidades negativas sejam majoradas em relação aos demais tributos.

Nesse contexto, a fim de regulamentar o referido tributo (PLP 68/2024), previu o legislador que entre os diversos bens e serviços que poderiam ser tributados pelo referido tributo dada a amplitude dos termos utilizados na emenda constitucional, escolheu especificamente, no caso das bebidas açucaradas, restringir a incidência tão somente para o refrigerante.

Para além da discussão acerca da tributação restringir-se somente ao refrigerante [2], tendo em vista que diversas bebidas açucaradas tão prejudiciais quanto o refrigerante ficaram de fora da hipótese de incidência do tributo, chama a atenção o tratamento dado ao refrigerante proveniente da Zona Franca de Manaus.

a) Da Zona Franca de Manaus

 O vazio populacional da região Norte brasileira e a fragilidade da soberania na região, dado que o território não era povoado, fez com que o governo militar estabelecesse mecanismos para atrair investimentos para a região, entre eles a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM).

Sua criação nos moldes atuais tem previsão legal no Decreto-Lei nº 288 de 1967. A legislação de referência define a ZFM como uma área de livre comércio e de incentivos fiscais especiais, desse modo, o principal mecanismo de manutenção da ZFM é a através de incentivos fiscais.

 

Na medida em que a reforma tributária alterou a tributação do consumo, pretendendo eliminar os inúmeros benefícios fiscais brasileiros, sem dúvida algumas determinadas ponderações seriam feitas em relação à região dado que a ZFM se mantém através de benefícios fiscais oferecidos às empresas para se instalam no local.

Diante disso, criou-se uma dicotomia entre realizar uma reforma tributária que elimine os benefícios fiscais e preservar o diferencial competitivo da região, razão pela qual escolheu o legislador tratar a região de forma diferenciada no PLP 68/2024.

b) Tratamento dado pelo legislador ao produto proveniente da Zona Franca de Manaus

Nesse cenário, coube ao legislador conceder tratamento diferenciado a Zona Franca de Manaus dada sua especificidade, resultando em uma seção dentro do PLP 68/2024 com inúmeros mecanismos garantidores de regime especial para a região.

Todavia, ao conceder regime diferenciado, entendeu o legislador que alguns bens são passíveis de exclusão do regime favorecido conferido à ZFM, conforme dispõe o artigo 439, inciso V:

“V – bens não contemplados pelo regime favorecido da Zona Franca de Manaus:
a) armas e munições;
b) fumo e seus derivados;
c) bebidas alcoólicas;
d) automóveis de passageiros;
e) petróleo, lubrificantes e combustíveis líquido e gasosos derivados de petróleo; e
f) produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, salvo se produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais.”

Vale destacar o rol de incidência do Imposto Seletivo, indicado no artigo 406, §1º do PLP 86/2024:

“(…)
§1º Para fins de incidência do Imposto Seletivo, consideram-se prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente os bens classificados nos códigos da NCM/SH e o carvão mineral, e os serviços listados no Anexo XVII, referentes a:
I – veículos;
II – embarcações e aeronaves;
III – produtos fumígenos;
IV – bebidas alcoolicas;
V – bebidas açucaradas;
VI – bens minerais; e
VII – concursos de prognósticos e fantasy sport”

A partir de análise comparativa, verifica-se que os bens ditos prejudiciais à saúde elencados para incidência do imposto seletivo que são produzidos na ZFM foram excluídos do regime favorecido, quais sejam fumígeros, bebidas alcoólicas, automóveis, petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo.

Isso indica que o legislador agiu para que os produtos com externalidades negativas que são produzidos na região não gozassem do regime favorecido, todavia contrariando o esperado, manteve o regime favorecido para as bebidas açucaradas, na medida em que não a incluiu no rol de exclusão.

 

Desse modo, os refrigerantes serão abarcadas pelo regime favorecido da ZFM, através da concessão de crédito presumido de IBS e CBS, relativos à operação que destine ao território nacional bem material produzido pela indústria incentivada na região.

Portanto, pela análise do projeto de lei que visa regulamentar o IBS, CBS e o IS, os refrigerantes produzidos na ZFM terão alíquotas zeros e darão direito a crédito.

c) Da manutenção do IPI para a Zona Franca de Manaus

Ainda, além de conceder direito à credito de IBS e CBS, o texto legal propõe a manutenção do IPI para a Zona Franca de Manaus:

“Art. 450. A partir de 1º de janeiro de 2027 fica reduzida a zero a alíquota do IPI relativa a produtos industrializados na Zona Franca de Manaus em 2023 e sujeitos a alíquota inferior a 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) prevista na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – Tipi vigente em 31 de dezembro de 2023.”

Dessa maneira, haverá incidência do IPI sobre produtos provenientes da Zona Franca (IPI-ZFM) [3] com o intuito de preservar os incentivos fiscais concedidos à região para manutenção da competitividade em relação ao resto do país.

d) Negação à lógica por trás do Imposto Seletivo

Diante desse cenário, verifica-se uma dissonância legislativa, pois de um lado mantem o regime diferenciado de tributação do refrigerante proveniente da ZFM de outro faz incidir o Imposto Seletivo sobre o mesmo produto.

Ainda, vale mencionar que o legislador preocupou-se em listar um rol de bens e serviços não abarcados pelo regime diferenciado (artigo 439, inciso V) e ainda acrescentou bens que não incide o imposto seletivo, todavia escolheu retirar dessa exclusão especificamente as bebidas açucaradas.

Dessa forma, o legislador nega a ratio legis do Imposto Seletivo.

Conclusão

Portanto, aspirou o legislador estabelecer um regime próprio e específico para a ZFM concomitantemente excluindo bens que geram externalidade negativas e por isso, estão previstos no rol de incidência do IS, todavia manteve tratamento privilegiado às bebidas açucaradas, criando distorção na ratio legis do Imposto Seletivo.

Isso porque, se por um lado as bebidas açucaradas fazem incidir o imposto seletivo por outro lado aquelas provenientes da ZFM terão tratamento diferenciado, não sendo tributados pelo Imposto Seletivo, dado que haverá IPI-ZFM e tendo créditos de IBS, CBS e do próprio IPI-ZFM criando uma situação ilógica tributária.

 


[1] ANDRADE, José Maria Arruda De. Imposto seletivo e pecado: juízos críticos sobre tributação saudável. São Paulo: IBDT, 2024. O autor contribui com a seguinte reflexão acerca do tema: O fato é que o IPI, ao incidir sobre bens importados ou produzidos no Brasil, permite uma tributação especial, ou seja, seletiva de acordo com o tipo de mercadoria.

[2] Merece destaque a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 realizada pelo IIBGE que aponta uma redução 66% no consumo de refrigerantes no Brasil.

[3] Trata-se de denominação dada pelo professor José Maria Arruda de Andrade. ANDRADE, José Maria Arruda de. O Novo Imposto Seletivo e o IPI da Zona Franca de Manaus. Revista Direito Tributário Atual, [S. l.], n. 56, p. 386–400, 2024. DOI: 10.46801/2595-6280.56.17.2024.2523. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/2523. Acesso em: 7 out. 2024.

  • é advogada do Rolim Advogados, graduada em Direito pela Universidade de São Paulo e pós-graduanda em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo