O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) cancelou uma cobrança de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre rendimentos remetidos a cotistas estrangeiros de Fundo de Investimento em Participações (FIP). A decisão, unânime, é da 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção. Cabe recurso. Há regra para isenção de IRRF. Porém, no caso, a Receita Federal considerou que havia planejamento tributário abusivo por não terem sido identificados os beneficiários finais (pessoas físicas) dos valores resgatados. Na autuação, a fiscalização cobra IRRF, à alíquota de 35%, sobre pagamentos realizados pela Dynamo V.C. Administradora de Recursos a cotistas residentes e domiciliados no exterior. São referentes a resgate de cotas decorrente da liquidação do fundo. Para o contribuinte, deveria ser aplicado o artigo 3º da Lei nº 11.312, de 2006. O dispositivo prevê a redução de alíquota do IRRF a zero sobre os rendimentos de aplicações em Fundo de Investimento em Participações pagos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior. O dispositivo exige, para o benefício, alguns requisitos — entre eles, o beneficiário não estar em paraíso fiscal. Se não cumpridos, aplica-se normalmente alíquota de 15%. No caso, porém, a Receita aplicou outra lei, a de nº 8.981, de 1995, e cobrou a alíquota de 35%, prevista para casos em que se realiza pagamento a beneficiário não identificado. O órgão exigiu que o administrador do fundo informasse toda a cadeia da estrutura societária de cada um desses cotistas estrangeiros para se chegar à identificação das pessoas físicas beneficiárias finais dos pagamentos. As informações, porém, não foram fornecidas. No julgamento, os conselheiros levaram em consideração que o artigo 61 da Lei nº 8.981, de 1995, não exige a identificação do beneficiário final e seria uma norma geral. Já o artigo 3º da Lei nº 11.312, de 2006, seria uma norma especial, aplicável em situações específicas de pagamento de rendimentos de fundos de investimento em participações a cotistas residentes ou domiciliados no exterior. Para os conselheiros, a Lei nº 9.613, de 1998, e instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central, citadas pela Receita na autuação, são normas relacionadas a ilícitos contra o sistema financeiro nacional. Portanto, não serviriam de justificativa para a aplicação da alíquota de 35% (processo nº 10872.720029/2018-33). Segundo o tributarista Caio Malpighi, do VBSO Advogados, esse tipo de autuação é despropositada. “Sabemos que os FIPs sempre foram foco de fiscalização da Receita. Geralmente, o órgão tenta desconstituir planejamentos patrimoniais e tributários que se valem dos FIPs, diante dos benefícios tributários que esse tipo de estrutura possui”, diz. A Receita, acrescenta ele, tentou burlar um benefício fiscal resguardado por lei. “Essa fiscalização por parte da Receita é o tipo de comportamento que afasta estrangeiros que querem investir no Brasil. É um repelente de capital estrangeiro.” O advogado destaca que a Lei nº 14.754, de 2023, traz alterações nas regras gerais de tributação de rendimentos de fundos de investimento no Brasil e, ainda assim, resguardou expressamente os cotistas estrangeiros de FIPs no país, deixando-os de fora da nova regra de tributação periódica. “Certamente, a finalidade do legislador foi dar continuidade à política fiscal de incentivo ao investimento estrangeiro no Brasil”, afirma. Fernando Colucci, sócio do Machado Meyer Advogados, diz que a autuação confirma que, de fato, as autoridades fiscais não estão se dando por satisfeitas em analisar simplesmente o primeiro nível de investidores e querem analisar a cadeia inteira. O advogado explica que, até a alteração recente, havia um “teste dos 40%” — nenhum investidor estrangeiro poderia ter mais de 40% das cotas. Muitas vezes, explica, a fiscalização desconsidera o primeiro nível de investidores no exterior para saber se são mesmo pessoas não relacionadas e verificar se foi cumprido o limite de 40%. No caso, como a gestora do fundo não apresentou informações sobre os beneficiários finais, a Receita Federal decidiu ser mais rigorosa e adotar a regra do pagamento para casos de não identificação, mas no julgamento, afirma o advogado, levou-se em consideração que não havia fundamento para a aplicação da alíquota maior, de 35%. Em nota, a Dynamo informa que estava confiante do resultado e que não recebeu outras autuações similares. “Buscamos agir sempre de acordo com as normas vigentes”, diz. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
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