Após o fim da greve dos auditores fiscais e com a volta do voto de qualidade, a pauta da 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) apareceu recheada de casos bilionários sobre ágio interno. Nos primeiros julgamentos, realizados ontem, parte das autuações fiscais sobre a amortização desse tipo de ágio – que somam pelo menos R$ 6 bilhões – foram mantidas.
O Carf é a principal aposta do ministro Fernando Haddad para atingir a meta de déficit primário zero no ano de 2024. O órgão pretende julgar neste ano 50% a mais do que o previsto, com o fim da paralisação dos auditores da Receita Federal e a volta da possibilidade do voto de desempate favorável à União (voto de qualidade). O objetivo é analisar R$ 870 bilhões em créditos tributários neste ano, ante R$ 580 bilhões previstos no Orçamento.
No começo da sessão de julgamento, o presidente da 1ª Seção do Carf, Fernando Brasil de Oliveira Pinto, afirmou que a 1ª Seção tem muito acúmulo de processos para serem julgados, desde a pandemia. Isso porque, segundo ele, o valor estabelecido como limite para julgamento por meio de sessão virtual (R$ 36 milhões, de acordo com a Portaria nº 7.755/2021) contemplou poucos casos que vão para a Seção, geralmente de alto valor. A 1ª Seção analisa processos sobre IRPJ, CSLL e IRRF, entre outros casos. Muitas das discussões sobre ágio acontecem por lá. O ágio é um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura da empresa adquirida ou incorporada. Como a Lei nº 9.532, de 1997, permite seu registro como despesa no balanço, o valor é amortizado para reduzir a base de cálculo (lucro) do IRPJ e da CSLL. Só a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.973, de 2014, a amortização do ágio interno foi vedada.
Por mais que precedentes sejam citados nos julgamentos, a análise sempre depende do caso concreto de cada operação. No primeiro processo administrativo julgado ontem, pelo voto de qualidade, a 1ª Turma da Câmara Superior não reconheceu a possibilidade de amortização de ágio interno gerado na aquisição da Vivo Participações pela Telefônica Brasil (antiga Telesp). No caso da Vivo, a cobrança de IRPJ e CSLL sobre o valor do ágio é de R$ 4,9 bilhões. Contudo, ainda serão discutidos, em Turma baixa, alguns pontos que podem alterar o montante que a Receita Federal efetivamente poderá cobrar quando o caso for concluído. Por maioria de votos, os conselheiros determinaram o retorno do processo para a 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção examinar a amortização de ágio com relação à CSLL, a premissa de recálculo de Juros sobre Capital Próprio do (JCP), multa de ofício (75%) e juros sobre multa. Carf deveria seguir a orientação do Superior Tribunal de Justiça” — Tiago Conde A autuação se refere à operação realizada entre os anos de 2013 e 2014 para aquisição da Vivo Participações pela Telefónica. O valor da autuação foi informado pela empresa em documento enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A empresa foi autuada porque, para a Receita, não houve o considerado “sacrifício financeiro” na operação que gerou o ágio – que teria natureza intragrupo e não poderia ser amortizado (processo nº 16561.720129/2018-50).
O entendimento e o placar foram os mesmos em relação à amortização de ágio da Unilever Brasil. A 1ª Turma da Câmara Superior do Carf manteve uma cobrança de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins recebida pela companhia. O valor da autuação é de R$ 1,2 bilhão, conforme mencionado pelos conselheiros durante a sessão de julgamento, mas parte do valor foi afastada, pela redução de uma multa. A cobrança da Unilever é referente a operações realizadas entre os anos de 2011 e 2015. O que acabou levando à autuação fiscal foi a incorporação da então Unilever Brasil Alimentos (UBA) pela Unilever Brasil (UBR), entre novembro de 2007 e fevereiro de 2008. O negócio gerou ágio interno, que foi inteiramente registrado como rentabilidade futura. De acordo com o processo, a amortização do ágio interno foi efetuada pela empresa UBR até novembro de 2009, quando ela sofreu cisão parcial, resultando na reversão do ativo cindido à empresa Unilever Brasil Industrial (UBI).
O ágio interno passou a ser amortizado na UBI a partir de novembro do ano de 2009, sendo deduzido da tributação a partir dessa data. A autuação fiscal destaca que todas as empresas envolvidas na incorporação e cisão parcial pertenciam ao mesmo grupo econômico. Foi aplicada multa qualificada de 150%. As infrações registradas pelo Fisco foram amortização indevida de ágio interno (sobre a qual é cobrada IRPJ e CSLL), entre os anos de 2011 a 2014, por artificialidade da estrutura societária de geração do ágio, pelo emprego de empresa-veículo e pela impossibilidade de aproveitamento fiscal de ágio interno, além da impropriedade do laudo de avaliação que fundamentou o ágio. O advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, destaca que existe um caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que foi julgado de forma unânime contra a tributação no caso de ágio interno (REsp nº 2026473) e, mesmo não sendo vinculante ao Carf, gera confiança dos contribuintes no Poder Judiciário. Para o advogado, ainda que não exista obrigatoriedade de aplicar a decisão da Corte superior, o Carf deveria seguir a orientação do tribunal. Segundo Rafael Gregorin, sócio do Trench Rossi Watanabe, o tema vinha sendo resolvido por maioria na Câmara Superior e, agora, as decisões por voto de qualidade não deixam de ser um bom sinal. “São quatro votos a favor do contribuinte, o que faz com que a multa caia definitivamente, assim como os juros”, afirmou.
O advogado se refere à mudança legislativa, que afasta a multa em casos decididos por voto de qualidade e os juros, se o contribuinte fizer o pagamento e não levar a discussão para a esfera judicial. Ele também teve um caso sobre ágio interno julgado por voto de qualidade. Procurada pelo Valor, a Vivo disse que não comenta decisões de processos administrativos. Por meio de nota, a Unilever esclarece que o mérito da discussão do julgamento foi o ágio e a decisão de hoje foi parcialmente favorável à companhia, com importante redução do valor julgado. A empresa segue avaliando os próximos passos.

Fonte: Valor Econômico