Um termo muito recorrente no contexto da tributação é a pink tax, que se refere à discriminação de preços baseada em gênero. Originalmente usado para descrever os tributos sobre consumo que as mulheres pagam por produtos de higiene feminina, o termo se expandiu.
Atualmente, ele se refere à prática de cobrar mais das mulheres do que dos homens por bens e serviços que são essencialmente os mesmos, embora tenham sua comercialização direcionada às mulheres (por exemplo, fabricados em materiais cor-de-rosa). O que permite que estudiosos ampliem o termo de pink tax para pink price, devido à tendência de produtos femininos terem preços mais altos, mesmo em casos em que esse sobrepreço não está atrelado à tributação. [1]
Dentro do contexto da pink tax, está incluído o conceito do tampon tax e, nesse sentido, cabe mencionar que:
essa denominação é utilizada para se referir ao alto custo tributário incidente sobre o consumo de absorventes higiênicos e seus poucos substitutos, principalmente em um contexto em que esses produtos: (i) são essenciais para a saúde e higiene das pessoas que menstruam; (ii) são inacessíveis para uma grande parcela dessas pessoas, perpetuando problemas sociais cíclicos e crônicos, além de causar evasão escolar e problemas de saúde; (iii) não contam com equivalentes para o gênero oposto; e (iv) desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece o direito à higiene menstrual como uma questão de direito humano necessária à saúde pública. [2]
Dessa forma, cabe ponderar que, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a falta de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam lidar com a menstruação prejudica a dignidade, a integridade corporal, a saúde e o bem-estar, constituindo uma violação dos direitos humanos. Essa situação também impede o país de atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e bem-estar; o ODS 6, referente ao acesso à água potável e saneamento; e o ODS 5, que trata da igualdade de gênero e do empoderamento de meninas e mulheres. [3]
No sistema tributário atual sobre o consumo, de acordo com pesquisas sobre o tema, os absorventes estão sujeitos a uma alíquota média de aproximadamente 27,25% no Brasil, [4] afetando diretamente meninas, mulheres e pessoas que menstruam por grande parte de suas vidas. Dessa maneira, em se tratando de forma mais precisa sobre a tributação dos itens básicos de saúde menstrual, convém citar:
Apesar de possuírem alíquota zero de Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI), estes itens têm se sujeitado a uma tributação média de 34,48%, de acordo com o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo — sendo considerada a alíquota entre 18% e 25% referente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), 1,65% do Programa de Integração Social (PIS) e de 7,6% da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). [5]
No âmbito dos debates da tampon tax em uma perspectiva comparada, considera-se fundamental apresentar como o referido imposto é tratado de forma muito contraditória nos Estados Unidos, tendo em vista a competência estadual para sua regulamentação no país.
Enquanto diversos estados norte-americanos já eliminaram este tributo, argumentando que sua aplicação é discriminatória para as pessoas que menstruam, tendo em vista que, em alguns estados, o Viagra é isento de impostos. [6]
Luxury tax
Ao mesmo tempo, em 21 estados dos Estados Unidos, [7] verifica-se uma alíquota entre 4% e 7% que incide sobre os produtos de higiene menstrual, tornando esses produtos mais caros. Curiosamente, nesse contexto verificou-se a criação do termo luxury tax, que não está diretamente associado ao imposto rosa.
O “imposto do luxo” reside no fato de absorventes internos e outros produtos de higiene menstrual serem considerados como itens de luxo, o que é diretamente contrário à característica de essencialidade desses itens para o público feminino e se contrapõe totalmente às características supramencionadas e um expresso desrespeito à dignidade menstrual, “que significa ter acesso a produtos e condições de higiene adequados”. [8]
Neste sentido, considera-se fundamental ponderar que, devido à sua importância, teve o dia 28 de maio estabelecido pela Unicef como Dia o Internacional da Dignidade Menstrual. [9]
O “imposto do luxo”, além de representar uma clara discriminação baseada no sexo “impõe custos adicionais às mulheres ao longo de toda a vida e gera regularmente receita para o governo. Os legisladores da Califórnia estimam que as mulheres pagam cerca de US$ 20 milhões por ano apenas nesse estado devido ao imposto de luxo sobre produtos de higiene feminina. [10]
De um modo geral, estudiosos do tema entendem que a discriminação econômica de gênero nos Estados Unidos se deve à falta de uma legislação adequada que impeça a fixação de preços diferenciados entre homens e mulheres. [11]
Por essa razão, é possível ressaltar que a reforma tributária sobre o consumo no Brasil é de fundamental importância nesse contexto, pois, através de seu artigo 9º, § 11, busca eliminar essas distorções de gênero e promover a igualdade entre homens e mulheres, como será devidamente apresentado em seguida.
O objetivo principal deste texto é, portanto, destacar o quanto o texto atual do Projeto de Lei Complementar nº 6/20248 (PLP 68) pode contribuir para a melhoria das condições da dignidade menstrual no Brasil. Isso implica afirmar que a reforma tributária sobre o consumo traz avanços significativos no combate às desigualdades de gênero e à forma negativa como a tributação sobre bens e serviços impacta as pessoas menstruantes. [12]
A reforma tributária foi inserida no ordenamento jurídico pátrio por meio da EC nº 132/2023, que criou dois novos tributos em formato de IVA: o IBS — imposto sobre bens e serviços e a CBS — contribuição sobre bens se serviços, que substituirão o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. Entre seus objetivos está tornar nosso sistema tributário mais justo, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, e eliminar as principais distorções causadas pelo atual sistema tributário brasileiro na nossa economia. A EC instituiu a redução da alíquota em 60% sobre os produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, prevendo que uma redução de 100% ficasse a cargo da regulamentação por lei complementar.
Destarte, cabe mencionar o texto que trata do tema na Emenda Constitucional 132/2023 e as propostas de mudança:
Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa.
-
1º A lei complementar definirá as operações beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata ocaput entre as relativas aos seguintes bens e serviços:
VI – produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
- 3º A lei complementar a que se refere ocaput preverá hipóteses de:
I – isenção, em relação aos serviços de que trata o § 1º, VII;
II – redução em 100% (cem por cento) das alíquotas dos tributos referidos no caput para:
- bens de que trata o § 1º, III a VI;
- 11. A avaliação de que trata o § 10 deverá examinar o impacto da legislação dos tributos a que se refere o caput deste artigo na promoção da igualdade entre homens e mulheres.)
Para ilustrar os aspectos positivos da versão atualizada do PLP nº 68/2024, convém apresentar como o tema está regulamentado após aprovação na Câmara dos Deputados, com a redução de 100% da alíquota para produtos de cuidados básicos à saúde menstrual. Espera-se, portanto, que essa redução seja mantida durante a tramitação do texto do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 no Senado.
CAPÍTULO IV
DA REDUÇÃO A ZERO DAS ALÍQUOTAS DO IBS E DA CBS
Seção I
Das Disposições Gerais
Art. 138. Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre operações com os seguintes bens e serviços, desde que observadas as definições e demais disposições deste Capítulo:
IV – produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
Dos Produtos de Cuidados Básicos à Saúde Menstrual
Art. 142. Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento dos seguintes produtos de cuidados básicos à saúde menstrual:
I – tampões higiênicos classificados no código 9619.00.00 da NCM/SH;
II – absorventes higiênicos internos ou externos, descartáveis ou reutilizáveis, e calcinhas absorventes classificados no código 9619.00.00 da NCM/SH; e
III – coletores menstruais classificados no código 9619.00.00 da NCM/SH.
Parágrafo único. A redução de alíquotas prevista no caput somente se aplica aos produtos de cuidados básicos à saúde menstrual que atendam aos requisitos previstos em norma da Anvisa.
Enfim, considera-se possível afirmar que a redução a zero das alíquotas que incidiam sobre os produtos de saúde menstrual aponta um movimento de evolução da reforma tributária em relação à busca pela igualdade entre homens e mulheres no Brasil. Dessa forma, compreende-se que o progresso proposto pela EC nº 132/2023 e regulamentado pelo PLP nº 68/2024 é de fato expressivo.
Uma regulamentação em nível nacional que busca expressamente promover a igualdade entre homens e mulheres, nos permite evitar a criação de impostos discriminatórios baseados em gênero, como se verifica em alguns estados dos EUA, gerando custos extras para mulheres, e a incoerência de se criar um imposto sobre os itens básicos de saúde menstrual caracterizando-os como itens de luxo, contrariando os posicionamentos de órgãos das Nações Unidas.
Ademais, essa medida, uma vez implementada, terá efeitos na diminuição das desigualdades sociais, dado que beneficiará mais precisamente as brasileiras mais pobres, cujo consumo hoje é proporcionalmente mais tributado do que o consumo das pessoas mais ricas. Dessa maneira, vislumbra-se que a redução da alíquota em 100% para os produtos de saúde menstrual representará um passo significativo para que uma igualdade de gênero efetiva seja alcançada.
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Referências
ALMEIDA, Pedro Cota, MARÇAL, Michelle Cristina Vitor. A tributação excessiva do ICMS sobre os absorventes como forma de discriminação de gênero. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/389355/tributacao-do-icms-sobre-os-absorventes-e-a-discriminacao-de-genero. Acesso em: 02 ago. 2024.
BENDIX, Aria; MURPHY Joe. States have been eliminating taxes on period products for years. Here’s where you’ll still pay them. Disponível em: https://www.nbcnews.com/health/womens-health/where-tampons-pads-period-products-are-taxed-map-rcna132874. Acesso em: 02 ago. 2024.
LAFFERTY, M. The Pink Tax: The Persistence of Gender Price Disparity. Midwest Journal of Undergraduate Research, nº 11, p. 56-72, 209.
LANKFORD, Kimberly. The Pink Tax Costs Women Thousands of Dollars Over Their Lifetimes. Disponível em: https://money.usnews.com/money/personal-finance/taxes/articles/the-pink-tax-costs-women-thousands-of-dollars-over-their-lifetimes. Acesso em: 02 ago. 2024.
MENGARDO, Bárbara. De absorvente a talco, produtos adquiridos por mulheres têm tributação elevada. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/de-absorvente-a-talco-produtos-adquiridos-por-mulheres-tem-tributacao-elevada-21062023. Acesso em: 02 ago. 2024.
MIYAKE, Alina. Tampon Tax: uma análise do tratamento tributário dos produtos menstruais no Brasil. Revista Direito Tributário Atual, nº 53. ano 41, p. 25-60. São Paulo: IBDT, 1º quadrimestre 2023
Sem autor. Dignidade menstrual: Todas as pessoas que menstruam têm direito à dignidade menstrual, o que significa ter acesso a produtos e condições de higiene adequados. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/dignidade-menstrual. Acesso em: 02 ago. 2024.
Sem autor. 37% de adolescentes e jovens que menstruam têm dificuldades de acesso a itens de higiene em escolas ou locais públicos, mostra enquete do Unicef com a Viração. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/37-por-cento-de-adolescentes-e-jovens-que-menstruam-tem-dificuldades-de-acesso-itens-de-higiene. Acesso em: 02 ago. 2024
Sem autor. Unicef e Unfpa alertam para importância de políticas públicas que garantam a dignidade menstrual. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/150652-unicef-e-unfpa-alertam-para-import%C3%A2ncia-de-pol%C3%ADticas-p%C3%BAblicas-que-garantam-dignidade Acesso em: 02 ago. 2024.
Entrevista da procuradora-geral adjunta de Representação Judicial da Fazenda Nacional Lana Borges ao portal Migalhas. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6Y5RWYpz5j0. Acesso em: 02 ago. 2024.
[1] Em entrevista ao Migalhas, a procuradora-geral adjunta de Representação Judicial Lana Borges explica a prática do “pink tax”, em que produtos femininos acabam tendo preço mais alto, e, portanto, são sobretaxados, porque há uma percepção de que as mulheres respondem mais a um apelo ao consumo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6Y5RWYpz5j0
[2] MIYAKE, Alina. Tampon tax: uma análise do tratamento tributário dos produtos menstruais no Brasil. Revista Direito Tributário Atual, nº 53. ano 41, p. 25-60. São Paulo: IBDT, 1º quadrimestre 2023. p. 26.
[3] https://brasil.un.org/pt-br/150652-unicef-e-unfpa-alertam-para-import%C3%A2ncia-de-pol%C3%ADticas-p%C3%BAblicas-que-garantam-dignidade
[4] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/de-absorvente-a-talco-produtos-adquiridos-por-mulheres-tem-tributacao-elevada-21062023
[5] https://www.migalhas.com.br/depeso/389355/tributacao-do-icms-sobre-os-absorventes-e-a-discriminacao-de-genero
[6] MIYAKE, Alina, op. cit., p. 33
[7] https://www.nbcnews.com/health/womens-health/where-tampons-pads-period-products-are-taxed-map-rcna132874
[8] https://www.unicef.org/brazil/dignidade-menstrual
[9]https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/37-por-cento-de-adolescentes-e-jovens-que-menstruam-tem-dificuldades-de-acesso-itens-de-higiene
12 LAFFERTY, M. The Pink Tax: The Persistence of Gender Price Disparity. Midwest Journal of Undergraduate Research, nº 11, p. 56-72, 2019. p. 69
[11] Idem.
[12]https://www.migalhas.com.br/depeso/389355/tributacao-do-icms-sobre-os-absorventes-e-a-discriminacao-de-genero.
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