O caso dos suvenires.

A legislação tributária prevê isenção (ou redução, no caso do PIS) de tributos federais – IRPJ, CSLL, PIS e Cofins — sobre as receitas auferidas pelas entidades de que trata o artigo 15 da Lei 9.532/97, quais sejam, as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos”. 

Em relação ao IRPJ e a CSLL, a isenção em questão se aplica ao superavit da entidade, englobando a totalidade de suas receitas, independentemente de sua fonte, configurando, assim, espécie de isenção subjetiva, tendo em vista que se refere a características pessoais do sujeito beneficiado. Portanto, a isenção não está condicionada à circunstância de a receita ser auferida por meio de atividades próprias da entidade sem fins lucrativos, mas ao cumprimento de determinados requisitos, os quais segundo se extrai de manifestações da Receita Federal, seriam os elencados abaixo: 

  • a) a atividade não extrapole a órbita dos objetivos sociais da entidade;
  • b) eventual superávit decorrente das atividades da entidade seja integralmente revertido para a manutenção e o desenvolvimento de seus objetivos sociais;
  • c) a atuação no mercado da entidade isenta não imponha concorrência desleal a outras pessoas que exerçam a mesma atividade econômica e não são alcançadas pelo benefício; e
  • d) a entidade cumpra as exigências contidas nas alíneas “a” a “e” dos§2º e 3º do artigo 12 da Lei 9.532/1997.

Quanto ao PIS, as entidades sem fins lucrativos devem apurar tal contribuição mediante regime especial desonerado, estabelecido pelo artigo 13, inciso IV, da MP 2158-35/2001, à alíquota de 1% sobre a folha de salários, e não sobre o faturamento ou receita bruta. 

Porém, há controvérsia em relação à aplicação da isenção relativa à Cofins. Isso porque o artigo 14, X, da MP 2158-35/2001 determina que “são isentas da Cofins as receitas: (…) X – relativas às atividades próprias das entidades a que se refere o artigo 13” 

Como se nota, a legislação tributária parece restringir a isenção da Cofins somente às receitas das atividades próprias de referidas entidades. Ocorre, porém, que o conceito de “receita decorrente de atividade própria” não foi definido pela legislação que disciplina a aludida isenção da Cofins para as associações civis sem fins lucrativos. 

Como se pode imaginar, a ausência de definição pelo legislador acerca do que seria receita de atividade própria dessas entidades sem fins lucrativos deixou margem para que a Receita Federal interpretasse a norma a seu alvitre, o que vem causando prejuízos aos contribuintes ao longo do tempo. Isto porque, já em 2002, a Receita Federal editou a Instrução Normativa SRF 247/2002 permitindo a desoneração da Cofins apenas sobre as receitas advindas das contribuições e doações recebidas pelas entidades sem fins lucrativos, indevidamente excluindo da abrangência da isenção as receitas com caráter contraprestacional, conforme seu artigo 47, §2º. 

A Receita Federal se posicionou nesse sentindo por um longo tempo, emitindo Soluções de Consulta afastando a isenção das receitas provenientes das vendas de mercadorias ou prestação de serviços pelas entidades sem fins lucrativos, tais como: Solução de Consulta COSIT 124, de 17.3.2019, Solução de Consulta COSIT 320, de 27.12.2018 e Solução de Consulta 171, de 3.4.2015. 

Entretanto, em 23.9.2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar o Recurso Especial 1.353.111/RS, julgou ilegal o artigo 47, §2º, da Instrução Normativa SRF 247/2002, especificamente em relação às receitas de mensalidades auferidas por associações educacionais. Nesse mesmo sentido, e mais recentemente, o STJ julgou o Recurso Especial 1.668.390/SP, em 13.9.2022, também reconhecendo a isenção da Cofins em relação às receitas a título de patrocínio auferidas para a realização de atividades que estão ligadas ao objeto social de entidade sem fins lucrativos. 

A partir das decisões proferidas pelo STJ, a Receita Federal emitiu orientação no sentido de reconhecer a desoneração das receitas contraprestacionais nos casos em que estas sejam decorrentes da atividade precípua da entidade, tendo, inclusive, formalizado tal posicionamento por ocasião da edição da IN RFB 1.911/2019, posteriormente substituída pela IN RFB 2.121/2022, que atualmente prevê que “consideram-se também receitas derivadas das atividades próprias aquelas decorrentes do exercício da finalidade precípua da entidade, ainda que auferidas em caráter contraprestacional” (artigo 23, §2º). 

Apesar da alteração no entendimento da Receita Federal em relação à possibilidade de reconhecer a isenção da Cofins mesmo em relação às receitas auferidas em caráter contraprestacional, o que se entende por “receita decorrente de atividade própria” das entidades sem fins lucrativos ainda está à mercê da interpretação de tal órgão. 

Recentemente, por meio da Solução de Consulta COSIT 68/2023, publicada no último dia 12 de abril, a Receita Federal analisou a isenção da Cofins relacionada às receitas obtidas em operações de venda de suvenires com marca própria por entidade sem fins lucrativos, concluindo que “a atividade de comercialização por associação civil sem fins lucrativos de determinados produtos, como por exemplo, canecas, camisetas, bonés, aventais e chaveiros, todos rotulados com a marca própria da entidade e classificados como suvenir, não pode ser considerada atividade própria dessa entidade para efeitos da isenção da Cofins prevista no inciso X do artigo 14 da MP 2158-35, de 2001, tendo em vista sua natureza econômico-financeira e empresarial, seu caráter contraprestacional direto e o auferimento das receitas com tal atividade não ser proveniente de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades”. 

Assim, tendo em vista que, legalmente, a isenção da Cofins abrange somente as receitas decorrentes das atividades próprias das entidades sem fins lucrativos, e que não há uma definição em lei para seu conceito, o reconhecimento da referida isenção no âmbito administrativo ainda está sujeito às interpretações realizadas pela Receita Federal em cada caso, cabendo às referidas entidades avaliarem a adoção de práticas para mitigar riscos fiscais relacionados à contribuição ou, se o caso, de medidas para afastar exigências indevidas. 

 


 

Fonte: JOTA