Quatro discussões sobre exclusão de tributos do cálculo de outros impostos a serem definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) podem trazer um impacto fiscal de R$ 118,9 bilhões para a União. A estimativa é da Receita Federal e consta no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025. Uma delas, que trata da retirada do ISS da base do PIS e da Cofins, está pautada para hoje e pode comprometer a arrecadação em R$ 35,4 bilhões. As quatro controvérsias estão em repercussão geral, ou seja, a decisão impactará todas as ações semelhantes do Judiciário. No caso do ISS, os contribuintes estão confiantes pela similaridade com a “tese do século” – a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. Porém, o placar nas chamadas “teses filhotes”, julgadas no STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ), é desfavorável. Levantamento feito pelos escritórios Machado Associados e BVZ Advogados, a pedido do Valor, mostra que os contribuintes foram derrotados em quatro teses sobre tributos na base de tributos e venceram três nas Cortes superiores. Outros seis temas ainda serão julgados. A principal vitória veio com a tese do século, em 2017. Os ministros definiram o conceito constitucional de faturamento e decidiram que o tributo estadual não deve ser inserido no cálculo para a cobrança das contribuições sociais por não configurar receita da empresa. Para a maioria, os valores do ICMS são meramente transitórios no caixa das companhias e têm como destino os cofres públicos (Tema 69). As empresas tentam emplacar esse argumento na discussão do ISS, que é basicamente a mesma, mas trata do imposto municipal. O processo começou a ser julgado no Plenário Virtual em 2021, mas recomeçará do zero por um pedido de destaque do ministro Luiz Fux. Os votos dos ministros aposentados serão preservados, o que faz o placar oficial iniciar em três votos a zero contra a União. Os demais integrantes podem mudar de entendimento. No Plenário Virtual, o placar estava empatado em quatro a quatro. Uma primeira linha adotada pelo relator, o ministro aposentado Celso de Mello, foi a favor dos contribuintes. Ele foi acompanhado pelas ministras Cármen Lúcia, Rosa Weber e pelo ministro Ricardo Lewandowski. Já outra corrente, inaugurada por Dias Toffoli, foi a favor da Fazenda Nacional. Seguiram o voto dele os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Faltavam apenas os votos de três ministros: Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux. Como Fux votou com os contribuintes e Mendes com a União na tese do século, em 2017, a decisão estaria, segundo tributaristas, nas mãos de Mendonça. Nunes Marques, embora não vote no julgamento de mérito porque sucedeu o antigo relator, assume a relatoria de eventuais embargos de declaração (Tema 118). Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz que “tem trabalhado nessa temática, de forma muito séria” e “entende que o substancioso voto do ministro Toffoli tratou adequadamente a questão, fazendo uma correta distinção entre os Temas 118 e 69”. Para Marcelo Montalvão, sócio do Ayres Britto Advocacia, que representa a Confederação Nacional do Serviços (CNS) na ação do ISS no STF, o raciocínio entre as teses é a mesma. “Esse caso, inclusive, ficou sobrestado por algum tempo, porque o ministro relator, Celso de Mello, havia indicado a conexão entre eles”, afirma. “Tudo passa pelo conceito de receita ou faturamento, que ficou definido como ingresso de riqueza na pessoa jurídica que se incorpora ao seu patrimônio. O ISS, assim como o ICMS, não passa por essa categoria de riqueza porque são valores transitórios”, diz ele, acrescentando ser preciso garantir “segurança jurídica”. Além desse caso, a tese que pode trazer o maior impacto para os cofres públicos é a da exclusão do PIS e da Cofins da sua própria base de cálculo. Um resultado negativo pode custar R$ 65,7 bilhões para a Fazenda. O argumento dos contribuintes é similar, buscando não enquadrar os tributos no conceito de faturamento. Ainda não há previsão de ele ser incluído em pauta (Tema 1067). Outro tema de relevância é a exclusão do PIS e da Cofins dos créditos presumidos do ICMS, tipo de benefício fiscal concedido pelos Estados. Ele pode custar R$ 16,5 bilhões à União. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu tema semelhante, em abril de 2023: a exclusão do IRPJ e da CSLL dos benefícios, de forma desfavorável aos contribuintes. A Lei nº 14.973/2023, porém, mudou a forma de tributação das subvenções para investimento, o que fez a decisão dos ministros ter efeito até o fim do ano passado. Juízes e desembargadores, contudo, têm afastado a eficácia da nova lei (Tema 1182). Quando o STJ julgou esse tema, inclusive, uma liminar do ministro André Mendonça, relator da ação do PIS e da Cofins no Supremo, interrompeu a sessão e quase suspendeu o julgamento. Ao conceder a cautelar, Mendonça mencionou a “intrínseca relação” entre os casos, o que justificava a suspensão ou ineficácia do julgamento no STJ, pois eventual decisão na Corte poderia ficar em “dissonância” com o que o Supremo decidisse. Cerca de uma semana depois, Mendonça reconsiderou a liminar pelo “montante pecuniário discutido”. O processo foi destacado e não há previsão de inclusão na pauta (Tema 843). Já a outra discussão é relativa à exclusão do PIS e da Cofins da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), com impacto de R$ 1,3 bilhão. Também não há previsão de julgamento (Tema 1186). Tanto o STF quanto o STJ julgaram casos similares, mas envolvendo o ICMS na base da CPRB. O desfecho foi desfavorável às empresas (Temas 1048 e 994). “Embora a CPRB incida sobre a receita, prevaleceu o entendimento que não poderia ser aplicado o mesmo racional do Tema 69 [tese do século] por ausência de previsão legal”, afirma o tributarista Renato Silveira, sócio do Machado Advogados. Segundo ele, as discussões têm muito em comum o conceito constitucional de faturamento, que é a base de cálculo do PIS/Cofins. “São discussões que acabam tendo alguma relação com a tese do século, porque foram desenvolvidas a partir de premissas fixadas no Tema 69, mas não necessariamente terão o mesmo desfecho porque são matérias absolutamente controvertidas”, diz. “O Supremo foi criando alguns distinguish”, completa. As estimativas de impacto da Receita são contestados pelos contribuintes. Pelo próprio anexo de riscos fiscais, as previsões, na maioria das vezes, consideram a perda total de arrecadação para aquele ano e cinco anos retroativos, período no qual eventuais beneficiados podem pleitear na Justiça o reembolso dos tributos pagos a maior. Os números, diz o documento, representam “o máximo de impacto ao erário, que pode não se concretizar em sua totalidade”. Um estudo da Tendências Consultoria, por exemplo, previu impacto de R$ 2,8 bilhões para a tese do ISS. Segundo João Leme, consultor em finanças públicas da consultoria, as estimativas fiscais só são concretizadas quando há o trânsito em julgado das ações (quando não cabe mais recurso). Eventual modulação, que limita o efeito do julgamento para o futuro, também pode reduzir esse rombo. Ao contrário dos riscos macroeconômicos, as ações tributárias são riscos fiscais que o governo não tem tanta gerência. “Para riscos específicos, acaba não dependendo da atuação da União.” De acordo com ele, a Portaria nº 68, de 2022, da Advocacia-Geral da União (AGU), é usada como parâmetro para medir os impactos, estimados pela Receita. “Se considera o número total de contribuintes e se faz uma estimativa de devolução dos últimos cinco anos. Então, sempre coloca na pior das hipóteses”, afirma. Essa estimativa para cima, acrescenta, pode ser usada como argumentação para com os ministros, “o que gera pressão no órgão julgador”. Para Frederico Bastos do BVZ Advogados, o entendimento que prevalecer no caso do ISS provavelmente irá influenciar o julgamento dos demais temas ainda pendentes, tendo em vista a similaridade das discussões. “Há, ainda, grande expectativa dos contribuintes se haverá modulação dos efeitos da decisão e quais critérios que serão adotados no julgamento, tendo em vista o alto impacto tanto para os contribuintes como para os cofres públicos.” Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
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