No julgamento do Tema 207 de Repercussão Geral (RE 598.468/SC), o Supremo Tribunal Federal estendeu aos contribuintes do Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte) as imunidades constitucionais previstas nos artigos 149, § 2º e 153, § 3º, III, que dizem respeito à não incidência de contribuições sociais (PIS, Cofins, CSLL e INSS) e de IPI nas receitas de exportação e sobre as operações com produtos industrializados destinados ao exterior, fixando assim a seguinte tese:
“Reconhecimento a contribuinte optante pelo Simples das imunidades tributárias previstas nos artigos 149, § 2º, I e 153, § 3º, III, da Constituição Federal”.
Por se tratar de decisão firmada em sede de repercussão geral – portanto, com efeito vinculativo e eficácia erga omnes — alguns contribuintes optantes pelo Simples Nacional que exercem suas atividades na Zona Franca de Manaus (ZFM) passaram a pleitear judicialmente o direito de também lhes ser reconhecido direito a não se submeterem à incidência de PIS/Cofins nas operações de vendas de mercadorias realizadas dentro da região, por serem tais operações consideradas vendas ao exterior.
Benefícios fiscais concedidos à ZFM
Sobre esse aspecto, convém contextualizar a particularidade envolvendo a ZFM e o motivo pelo qual as operações comerciais nela realizadas devem receber tratamento similar àquele destinado às exportações.
A ZFM foi criada com a finalidade de reduzir as desigualdades sociais e regionais existentes na região Amazônica — especialmente em virtude da distância em que se encontra das demais regiões do país — e proporcionar melhores condições ao desenvolvimento industrial, comercial e agropecuário da região, estimulando a fixação do homem em seu território e assegurando a soberania do Estado brasileiro sobre sua mais extensa área de fronteira.
A Constituição de 1988 estabeleceu como um dos seus objetivos fundamentais e também como princípio da ordem econômica a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais (artigos 3°, III e 170, VII, CF/88).
Dessa forma, em virtude de a finalidade da criação da ZFM estar em harmonia com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o constituinte originário, por meio do artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), manteve incólume, pelo prazo de 25 anos, as disposições contidas no Decreto-Lei nº 288/1967, tendo tal prazo sofrido prorrogação sucessiva de dez e 50 anos, conforme dispõem os artigos 92 e 92-A.
Portanto, os benefícios fiscais inerentes à ZFM, estabelecidos pelo Decreto-Lei nº 288/1967 e cristalizados pelo artigo 40 do ADCT, foram integralmente mantidos na Carta Constitucional de 1988 até 5/10/2073, não podendo, por esse motivo, sofrer qualquer espécie de alteração ou mitigação antes que ocorra a sua total extinção.
Por essa razão, normas infraconstitucionais que venham a ser editadas após o início da vigência da atual Constituição de 1988 não podem, por hipótese alguma, alterar o arcabouço legislativo inerente à ZFM, nos termos do que determina o artigo 40 do ADCT.
Ficção
Para o fim de garantir, como visto, o desenvolvimento da região amazônica e reduzir as desigualdades sociais e regionais, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 288/1967 estabeleceu que o envio de mercadoria de qualquer região do país para consumo ou industrialização na ZFM, ou reexportação para o estrangeiro, será equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.
Essa ficção jurídica estabelecida no artigo 4º do Decreto-Lei nº 288/1967 assegura aos contribuintes instalados na ZFM idêntico tratamento fiscal destinado às receitas decorrentes de exportação para o estrangeiro, aplicando, assim, o disposto no artigo 149, § 2°, inciso I, da Constituição de 1988, que assim determina:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(…)
§2º. As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
(…)
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação.”
Assim, de acordo com a Lei nº 10.637/2002 e a Lei nº 10.833/2003, devem ser excluídas da base de cálculo das receitas de exportação as contribuições de PIS e Cofins, motivo pelo qual a exigência do recolhimento dessas contribuições incidentes sobre as receitas da venda de mercadorias realizadas dentro da ZFM viola frontalmente as disposições contidas no Decreto-Lei nº 288/67, nos artigos 40, 92 e 92-A, do ADCT e artigo 149, § 2º, inciso I, da Constituição de 1988.
De volta ao Tema 207/STF
Tecidas essas considerações iniciais, convém retomar à análise do Tema 207 do STF para o fim de discorrer acerca do alcance desse benefício fiscal às empresas sediadas na ZFM, mas optantes pelo regime tributário do Simples Nacional.
A Fazenda Nacional — ao contestar o pedido dos contribuintes pelo afastamento da norma de incidência de PIS e Cofins sobre as receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias realizadas dentro da Zona Franca por serem consideradas vendas ao exterior — vinha argumentando no sentido de não ser possível a cumulação dos benefícios fiscais do Simples e aqueles próprios do sistema a ZFM.
Logo, segundo o entendimento do Fisco, a unicidade do regime do Simples Nacional, cuja opção foi de livre escolha do contribuinte, impediria que usufruísse dos benefícios fiscais atinentes à ZFM, em virtude da incomunicabilidade existentes entres esses regimes.
Por conseguinte, do ponto de vista da Fazenda, haveria ausência de interesse processual no pleito do contribuinte ao buscar se beneficiar duplamente da regra do regime tributário de que renunciou e do outro pelo qual optou (Simples Nacional), até porque a opção de se submeter ao regime do Simples Nacional é irretratável durante todo o ano-calendário, conforme dispõe o artigo 16 da Lei Complementar nº 123/2006.
Em segundo grau, o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1) abraçou a tese fazendária e entendeu que deveria ser reconhecida a exigibilidade do PIS e da Cofins em relação a créditos decorrentes de vendas efetuadas dentro da ZFM por aqueles contribuintes optantes pelo regime do Simples Nacional.
Contudo, em decisão recente tomada no ARE 1.498.846/AM [1], o STF reformou o acórdão proferido pelo TRF-1 para o fim de reconhecer a total compatibilidade entre o regime de incentivos fiscais instituído pela ZFM e os benefícios fiscais presentes no Simples Nacional.
De acordo com o ministro Cristiano Zanin, permitir que incidam PIS e Cofins nas receitas das operações de venda de mercadorias realizadas na ZFM viola a tese fixada pelo STF no Tema 207 da Repercussão Geral, de maneira que devem ser reconhecidas as imunidades previstas nos artigos 149, § 2º, I, e 153, § 3º, III, da Constituição aos contribuintes optantes pelo Simples Nacional.
Vitória do contribuinte da ZFM
Sendo assim, fica evidente que o reconhecimento do benefício fiscal de não incidência de PIS e Cofins nas operações de vendas de mercadorias realizadas na ZFM, por equivalerem a exportação para o estrangeiro pode ser cumulado com as benesses previstas no Simples Nacional, não havendo qualquer incompatibilidade entre um regime e outro.
Tal decisão representa uma grande vitória para os contribuintes instalados na ZFM e optantes pelo regime do Simples Nacional, uma vez que poderão passar a deixar de recolher o PIS e a Cofins incidentes sobre as vendas de mercadorias realizadas naquela região.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1.498.846/AM. Relator: min. Cristiano Zanin Brasília, 26 de junho de 2024.
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