A votação de destaques do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108 na sessão de hoje da Câmara dos Deputados inclui uma mudança que tem preocupado tributaristas que atuam com planejamentos sucessórios e organizações empresariais. Os deputados vão analisar um ponto que tem sido considerado um “alargamento do conceito de doação”: a incidência do ITCMD sobre distribuição desproporcional de dividendos, sem prova de propósito negocial — operação que hoje não é tributada. A “distribuição proporcional” ocorre quando os dividendos não acompanham a participação dos sócios nas empresas. Em companhias familiares, podem ser utilizadas para que os controladores recebam, em relação a sua participação, menos ou mais dividendos que outros familiares, sendo uma forma indireta de repassar participação na empresa, sem incidência de ITCMD. Hoje essa prática não é vetada nem tributada, segundo tributaristas. E é adotada por empresas de forma geral como mecanismo legítimo de remuneração, similar a um bônus. Com a mudança, dizem, pode haver judicialização. Esse é um dos mecanismos utilizados em planejamentos sucessórios que poderão passar a ter a incidência do ITCMD. De acordo com a tributarista Ana Cláudia Akie Utumi, do Utumi Advogados, todas as empresas podem ser atingidas. Isso porque o artigo 164 do PLP estabelece que são consideradas doações, para fim de incidência do ITCMD, atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciado. A regra vale para transmissões entre pessoas vinculadas. Para a tributarista, não fica claro se “pessoas vinculadas” seriam apenas familiares, podendo atingir grupos econômicos. Também não está claro, acrescenta a tributarista, o que a Receita Federal vai considerar como prova de propósito negocial. “Isso causa insegurança e abre um flanco importante”, afirma. De acordo com Ettore Botteselli, sócio do Martinelli Advogados, esse é um dos pontos que hoje permitem o não pagamento de ITCMD em transmissões que a reforma elimina. “O PLP elenca de forma objetiva fatos geradores que antigamente não tínhamos em contexto de cobrança de ITCMD, e traz à tona alguns mecanismos de reorganização societária e instrumentos que passam a ser passíveis de incidência do imposto”, diz. As hipóteses que passarão a ser tributadas — distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preço diferenciado — são muito usadas hoje em dia, segundo o advogado. “É especialmente comum o pagamento do dividendo desproporcional.” Ainda segundo Botteselli, o cerne da questão é o que seria o propósito negocial. Hoje não há veto para distribuição desigual de dividendos e o mecanismo é utilizado pelas empresas na remuneração a administrador que também é sócio, por exemplo. Nesse caso, segundo o advogado, já existem algumas fiscalizações da Receita para verificar se dividendo desproporcional é, por algum aspecto, pagamento de remuneração. “Estava todo mundo muito focado no IBS, CBS e no Comitê Gestor. Deu a sensação que veio camuflada essa alteração, com relação a doações, base de cálculo e responsabilidade solidária”, afirma Maysa Pittondo Deligne, sócia do CPMG Advocacia. Ainda segundo a advogada, grande parte dos planejamentos tributários hoje com holding são com dividendos desproporcionais, principalmente nos planejamentos familiares. A advogada destaca que existem motivações empresariais para a distribuição desigual de dividendos e também para cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preço diferenciado. Para ela, com essa tributação, a tentativa é atingir operações societárias como um todo e não apenas holdings familiares.
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