O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) livrou o Banco Alfa e o Bradesco do pagamento de um valor total milionário de ISS ao município de São Paulo. As instituições financeiras foram duas das dezenas de prestadoras de serviços autuadas pela Prefeitura da capital para o recolhimento do imposto referente aos meses de janeiro e fevereiro de 2018. Apesar de proferidas com base em questões processuais, ambas as decisões são precedentes para quem discute o tema no Judiciário ou na esfera administrativa. O valor exigido do Banco Alfa é de cerca de R$ 60 mil. No caso do Bradesco, o valor da causa é de R$ 4,8 milhões. Como há outros bancos, gestoras de fundos de investimento e operadoras de saúde com cobranças semelhantes, o montante total em jogo é significativo. A ofensiva da prefeitura ocorreu no fim do ano de 2023. O alvo foram quase 120 prestadores de serviços que não recolheram o ISS para o município no período em discussão. O cerne da discussão é a Lei Complementar nº 157, de 2016. A norma deslocou a competência para a cobrança do ISS do município do prestador do serviço para o do tomador. A nova legislação entrou em vigor em janeiro de 2018. Porém, os dispositivos que instituíram essa mudança de competência foram suspensos em março pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não estaria claro o conceito de “tomador de serviços”. Nasceu, então, a dúvida sobre qual regra valeria em janeiro e fevereiro de 2018. A juíza Lais Helena Bresser Lang, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, proferiu a sentença favorável ao Banco Alfa. Para ela, “a autora providenciou o recolhimento no município do tomador, corretamente, baseando-se na alteração legislativa vigente à época, não podendo subsistir o auto de infração imposto pelo município de São Paulo, pois a LC nº 157/2016 é a lei que deve reger o presente caso concreto” (processo nº 1059165-30.2022.8.26.0053). A Prefeitura de São Paulo apelou ao TJSP, que não chegou a analisar o recurso. De acordo com o relator, o desembargador Henrique Harris Júnior, da 18ª Câmara de Direito Público, o órgão “deixou de impugnar especificamente os fundamentos jurídicos da sentença”. No voto, porém, Harris Júnior antecipa a análise sobre o mérito, em sentido favorável ao banco: “Ademais, ainda que assim não fosse, não se vislumbra a regularidade da exigência porquanto cabalmente demonstrado que os recolhimentos efetuados pelo contribuinte observaram o regramento e o entendimento vigente à época”, declara ele, no voto, seguido por unanimidade. Nesse caso, a prefeitura já propôs embargos, mas o recurso ainda não foi analisado. Especialistas indicam que há outras duas possibilidades: um recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou um recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF). “O TJSP analisou a questão processual que levantamos e ganhamos”, afirma o advogado Ricardo Godoi, fundador do RGodoi Advogados e representante do Banco Alfa no processo. “Em tese, entendemos que não seria possível a prefeitura levar o mérito desta ação ao STJ ou STF, pois nada foi prequestionado pela prefeitura nos autos.” Segundo Vinicius Caccavali, do escritório VBSO Advogados, o não conhecimento do recurso “prejudica o acesso do município de São Paulo aos tribunais superiores porque vão ter que, primeiro, modificar essa decisão”. Na prática, acrescenta, “o grande problema é que o município de São Paulo passou a cobrar algo que já foi pago a outros municípios, obrigando o contribuinte a pagar duas vezes”. Precedentes começam a fazer coro contra a prefeitura” — Rafael Vega Para o advogado Guilherme Yamahaki, sócio do escritório Schneider Pugliesi, “a decisão indica que, ao analisar o mérito, o TJSP vai validar a boa-fé do contribuinte que recolheu o ISS em janeiro e fevereiro de 2018 ao município do cotista dos fundos [tomador de serviço], com base na lei então vigente”. O advogado também aponta a decisão como um bom precedente para casos ainda em andamento na primeira instância do Judiciário ou na esfera administrativa. A decisão favorável ao Bradesco, proferida pela 15ª Câmara de Direito Público do TJSP, também foi unânime. Os desembargadores analisaram um agravo de instrumento da instituição financeira contra tutela antecipada (espécie de liminar) da primeira instância que havia afastado apenas o pagamento de juros e multa da autuação fiscal aplicada (agravo de instrumento nº 2086976-39.2024.8.26.0000). Ao analisar os argumentos do Bradesco, o TJSP não entrou no mérito, mas decidiu “suspender a exigibilidade da totalidade do débito”. Para os desembargadores da Corte é preciso que, primeiro, seja esclarecida a questão da decadência do direito do Fisco de cobrar o tributo. Isso porque o auto de infração que exige o pagamento do ISS de janeiro e fevereiro do ano de 2018 foi aplicado ao Bradesco em dezembro de 2023. O prazo decadencial seria de cinco anos, a contar do fato gerador. Na primeira instância há ao menos outras duas sentenças favoráveis ao contribuinte concedidas até agora. Recentemente, uma sentença que beneficiou uma gestora de fundos foi dada pela 15ª Vara da Fazenda Pública. Ela anulou um auto de infração de R$ 840 mil (processo nº 1018717-44.2024.8.26.0053). Já outra foi dada pela 6ª Vara de Fazenda Pública (processo nº 1018717-44.2024.8.26.0053). Segundo Rafael Vega, do Cascione Advogados, que atuou por uma das empresas, os precedentes judiciais “começam a fazer coro contra a posição da prefeitura”. “Tinha ainda um posicionamento da própria prefeitura dizendo para seguir a lei, então é uma tempestade perfeita contra ela”. Ele lembra da norma nº 42, do Departamento de Tributação e Julgamento da Secretaria da Fazenda do município de São Paulo. Também atuou no caso o advogado Anderson Mainates, do mesmo escritório. Procurados pelo Valor, a Prefeitura de São Paulo e o Banco Bradesco informaram que não se pronunciariam sobre a questão.
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