Os planos de stock options têm se tornado uma ferramenta cada vez mais comum entre empresas para reter talentos, oferecendo aos executivos a oportunidade de adquirir ações da companhia a preços pré-determinados. Essa prática, além de alinhar os interesses dos funcionários aos da empresa, tem gerado intensas discussões jurídicas, especialmente no que diz respeito à incidência de contribuições previdenciárias e tributárias sobre os valores distribuídos.

Não é novidade que a adoção de stock options como modelo de incentivo de longo prazo aos colaboradores tem sido amplamente utilizada no meio corporativo. Grandes empresas como Hering, Natura, Grupo Pão de Açúcar e Google Brasil há muito utilizam stock options como uma forma de remuneração variável concedida aos colaboradores. Recentemente, porém, o modelo tem ganhado força junto às startups e empresas de médio porte, o que chamou a atenção do legislador e do Judiciário.

Um ponto crucial é a falta de uma legislação específica sobre o tema. A Lei das Sociedades Anônimas é praticamente silente quanto ao assunto, e a natureza dos planos de stock options é amplamente discutida nos tribunais. Nos últimos anos, questionou-se a natureza supostamente remuneratória (e não mercantil) dos stock options, o que ensejaria a incidência das contribuições trabalhistas e previdenciárias aplicáveis.

O Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) havia firmado posicionamento no sentido de que os planos de stock options são mercantis na sua origem, mas, caso não sejam identificados elementos próprios dessa natureza (como a assunção de risco, a onerosidade e a voluntariedade da adesão ao plano), ter-se-ia então natureza remuneratória para fins tributários. Em contrapartida, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) tem jurisprudência pacificada de que o plano de stock options tem caráter mercantil e, portanto, seus ganhos não podem estar sujeitos a um critério de remuneração salarial.

Caso concreto

Recentemente, a Hering obteve uma decisão judicial definitiva que cancelou uma autuação fiscal de quase R$ 48 milhões, referente à não incidência de contribuição previdenciária sobre valores distribuídos por meio de stock options [1]. A empresa recorreu ao Judiciário após uma derrota no Carf, onde o desempate foi decidido pelo presidente da turma julgadora, representante da Fazenda.

No caso da Hering, os executivos podiam comprar ações pelo valor de mercado, com a aquisição podendo ocorrer após um ano. O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em decisão proferida pelo desembargador Roger Raupp Rios, considerou que o ganho obtido com o exercício da opção de compra de ações não constitui remuneração, mas sim um ganho eventual, desvinculado do salário.

A decisão judicial fundamentou-se no artigo 28, parágrafo 9º, alínea ‘e’, item 7, da Lei nº 8.212/91, que estabelece que a vantagem obtida pelos empregados com a compra de ações não integra o salário de contribuição. Além disso, a jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) reforça que a contribuição social do empregador incide apenas sobre ganhos habituais do empregado, não se aplicando a ganhos eventuais [3].

Sem caráter remuneratório

Os advogados da Hering destacaram que o plano de stock options da empresa não tinha caráter remuneratório. A natureza volátil das ações reforça o entendimento de que se trata de um ganho eventual e não de uma remuneração regular.

Essa decisão é significativa, pois estabelece um precedente importante para outras empresas que oferecem planos de stock options. Grandes empresas como BRF, Mercedes e Skanska Brasil [2] já obtiveram decisões favoráveis em situações semelhantes. Contudo, a questão ainda não está completamente pacificada e aguarda uma decisão definitiva do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a incidência de Imposto de Renda (IRPF) sobre ganhos obtidos com stock options.

Em uma recente decisão do Carf, a 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção do tribunal considerou que o plano de stock options de uma sociedade do ramo de energia possuía natureza mercantil para fins tributários e, portanto, não seria exigível do antigo executivo da sociedade o pagamento do IRPF que havia deixado de ser recolhido no momento de aquisição das ações. A decisão foi tomada em atenção ao artigo 28 da Lei nº 13.988/2020, devido ao empate entre os três representantes da Fazenda Nacional e os três representantes do contribuinte no julgamento, indicando a ausência de entendimento consolidado sobre o tema.

Essa emblemática decisão vai ao encontro da posição recorrente trazida nas decisões proferidas pelo Carf e abre margem para que o assunto volte a ser objeto de recurso naquela instituição, permitindo ainda que seja aberta uma nova corrente de entendimento no Poder Judiciário sobre o tema.

É fundamental que as empresas estejam cientes das implicações legais dos planos de stock options e acompanhem de perto as discussões judiciais sobre o tema. A decisão favorável à Hering indica uma tendência do Judiciário em reconhecer a natureza mercantil e não remuneratória dessas operações, desde que se apresentem provas claras da ausência de caráter remuneratório. Recomenda-se que as empresas busquem orientação especializada para garantir que seus planos de stock options estejam em conformidade com a legislação vigente e para se prepararem para possíveis mudanças na interpretação das normas tributárias.

 

Em resumo, a recente decisão judicial a favor da Hering representa um avanço significativo na compreensão jurídica dos planos de stock options, mas a continuidade das discussões no STJ e em outras instâncias judiciais exige atenção constante das empresas e seus consultores jurídicos.

é advogada, pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e analista societária na Contabilizei Ltda.

Fonte: Conjur