O Brasil elegeu a taxação de super-ricos como uma de suas prioridades para o seu período na presidência do G20, que reúne as 20 maiores economias do mundo. Em viagem recente aos Estados Unidos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o grupo pode chegar a um acordo sobre o tema até novembro, quando a liderança brasileira chega ao fim.

O ministro também afirmou que um eventual comunicado do G20 sobre a tributação deve envolver um eixo sobre o intercâmbio de dados entre os países, outro sobre o apoio da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o estabelecimento de um prazo curto para implementação das medidas.

 

Há expectativa de um comunicado sobre o tema já em julho, após reunião do G20 no Rio de Janeiro sobre a questão. A proposta brasileira deve ser apresentada na ocasião – e esse deve ser apenas o primeiro de muitos passos até uma eventual concretização da iniciativa.

Propostas na mesa

“Ouvimos diversas propostas e estamos discutindo internamente, para que eventualmente possamos convergir em um mínimo denominador comum para as discussões”, diz Felipe Antunes, coordenador-geral de Cooperação Econômica Internacional do Ministério da Fazenda.

A principal novidade da ideia do G20 é aplicar o princípio de cooperação tributária internacional, já existente para evitar dupla tributação em diferentes territórios. Com um eventual acordo, cada nação continuaria a arrecadar impostos separadamente, mas todas sob um conjunto de regras que ajudariam a tapar brechas que bilionários usam para pagar menos tributos.

 

Uma dessas táticas é transferir bens para outras jurisdições, como os chamados paraísos fiscais – mas, com uma coordenação mundial, isso poderia ser dificultado. Um acordo das 20 maiores economias do mundo poderia incentivar outros países a seguirem os mesmos passos e pressionar posicionamentos de paraísos fiscais, geralmente pequenas nações com grande dependência dos centros financeiros globais.

Uma das ideias ouvidas é a do economista francês Gabriel Zucman, diretor do EU Tax Observatory, centro de pesquisa da Escola de Economia de Paris. Ele propõe um sistema que estabeleça regras específicas para cerca de três mil indivíduos com ativos avaliados em mais de US$ 1 bilhão.

 

Segundo a ideia, essa parcela da população mundial deveria pagar anualmente um imposto de renda equivalente a 2% do patrimônio declarado às autoridades de seus países de origem. Conforme os cálculos de Zucman, a arrecadação gerada seria de quase US$ 250 bilhões por ano.

O time brasileiro também ouviu as proposições de Esther Duflo, economista ganhadora do prêmio Nobel, que disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que sua proposta é “complementar” à de Zucman. Em evento do G20 em abril, ela defendeu que os valores advindos da tributação de super-ricos deveriam ser usados para ajudar países mais pobres a lidarem com a crise climática.

Para Duflo, parte da arrecadação deveria ser diretamente transferida para pessoas atingidas por catástrofes climáticas, e outra deveria ser utilizada como resseguro para governos enfrentando as tragédias. Uma terceira parte ainda seria destinada a obras de adaptação ao aquecimento global.

Seja qual for o destino da arrecadação, “há um receio de que a escala global cometa um problema burocrático, que esse dinheiro se perca em uma burocracia e não chegue de fato onde deve”, diz Dalton Dallazem, professor de tributação internacional e sócio fundador Perin & Dallazem.

Receios antigos, novas soluções

A coordenação mundial em torno da taxação de bilionários é uma resposta aos fracassos verificados quando países embarcaram na empreitada isoladamente. De acordo com um estudo do Insper de 2021, 12 dos 37 países da OCDE instituíram impostos desse tipo desde os anos 1990. Mas só três não desistiram dele — Espanha, Noruega e Suíça. A França, que agora apoia a ideia global, abandonou a política no âmbito doméstico em 2017.

Também foram verificados impactos de redistribuição de renda e melhoria de bem-estar social em apenas um caso estudado, diz Lorreine Messias, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper e uma das autoras do levantamento. Mas também não há precedentes na literatura para a ideia destinar a arrecadação ao combate à pobreza e à crise climática via fundos, como sugerem as discussões do G20.

“Num contexto em que países atuem isoladamente, os estudos mostram que o tributo é pouco bem-sucedido em melhorar a desigualdade social”, diz Messias. “Num contexto de cooperação internacional, ainda não sabemos como pode ser. Mas, se essa coordenação não acontecer de forma muito bem amarrada, provavelmente não vai ser [uma política] exitosa.”

“A dificuldade em tributar não pode ser justificativa para não tributar”, diz André Roncaglia, professor de economia na Unifesp. Segundo ele, 40% a 50% da riqueza em um país mediano está na forma de imóveis, o que já dificultaria a fuga para outras jurisdições. “Mas a riqueza móvel é a motivação de fazer algo coordenado entre os países – e há maneiras de evitar a evasão.”

Aliados (ou não)

Como fórum de discussões, o G20 é um espaço para criação de consensos entre a comunidade internacional, mas não tem capacidade deliberativa. “O que apontaria para resultados concretos seria fazer uma declaração conjunta [com os membros do G20] para que isso virasse um acordo no futuro”, diz Felipe Antunes. “Sabemos que é muito difícil, são 20 países com poder de veto e muito diferentes entre si”.

Em abril, Haddad foi co-autor de um texto defendendo a medida, ao lado de ministros da Alemanha, África do Sul e Espanha. No mesmo mês, durante reuniões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, disse esperar que o G20 possa chegar a um acordo sobre o tema ainda neste ano. Por outro lado, várias nações enxergam a tributação como um tema de soberania, o que limitaria as discussões para um acordo comum.

Na mesma ocasião, Haddad disse que “especificamente, a administração Biden tem dado sinais claros de que algo precisa ser feito [sobre a taxação de super-ricos]. Ou no plano doméstico, ou no plano internacional”. Mas o assunto não é unanimidade nos Estados Unidos. A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, disse ao Wall Street Journal que o país não apoia nenhum “acordo global comum para tributar bilionários com receitas redistribuídas de alguma forma”.

Além disso, os EUA ainda não ratificaram uma das medidas inspiradoras para a ideia do G20. Em 2021, um acordo coordenado pela OCDE (que foi discutido por uma década) fez com que 136 países se comprometessem a instituir um imposto mínimo de 15% sobre o lucro de empresas multinacionais. Com as novas regras, os países podem também taxar lucros registrados em outras jurisdições.

No entanto, nos EUA, os impostos sobre lucros de empresas foram reduzidos durante o governo Donald Trump. Biden, um aliado do acordo costurado pela OCDE, não conseguiu implementar a medida por falta de apoio no Congresso.

A longo prazo

Para Roncaglia, da Unifesp, “tudo ainda tem que ser construído”, mas “é a primeira vez que vemos uma certa comunhão de anseios dos países”, o que pode dar fôlego à ambição brasileira de taxar os super-ricos. A partir de uma eventual declaração conjunta, seria possível trabalhar em um acordo – como ao que a OCDE formulou para a taxação de multinacionais.

O assunto também poderia ser aprofundado em outros fóruns – em 2023, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução para aprofundar a cooperação tributária internacional. “O que gostaríamos de ver a médio prazo é o acordo para tributar em níveis mínimos”, diz Antunes. “A longuíssimo, é importante ter no horizonte que a pobreza, a fome, a emergência climática são problemas globais. Por isso é preciso mobilizar recursos globais para tratar de desafios globais”, completa.

Fonte: Jota