Uma exportadora de soja conseguiu uma autorização da Justiça de São Paulo para transferir R$ 14,5 milhões em créditos de ICMS sem precisar estar sujeita aos limites do programa ProAtivo, do governo estadual, que só permitiria a venda R$ 1,2 milhão para terceiros. Segundo a sentença, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz) impôs restrições indevidas ao uso dos créditos pela empresa, contrárias ao disposto na Lei Kandir e na Constituição. Criado em 2021 pelo Decreto nº 66.398, o ProAtivo facilita a transferência de créditos entre contribuintes, especialmente para empresas que investem no Estado, concedendo maior liquidez a elas. Ao contrário do procedimento tradicional na Sefaz, que pode levar um ano, o programa permite a venda dos créditos entre empresas de forma mais célere, que leva em torno de dois meses, segundo especialistas. Ao todo, desde o início do ProAtivo, foi autorizada a liberação de R$ 4 bilhões em créditos. A cada rodada há um teto global, que resulta em um teto individual por empresa, que não comprometa as contas públicas. Hoje, está aberta a 11ª rodada, que libera R$ 700 milhões em créditos acumulados de ICMS limitando o uso em R$ 30 milhões por CNPJ. Empresas que investem mais em ativo imobilizado, como maquinário, e compram mais em São Paulo do que em outros Estados têm cotas maiores. Apesar de considerarem o programa benéfico, tributaristas dizem que, para exportadores, ele torna o que é um direito em um benefício, impondo restrições contra a previsão legal, constitucional e precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Tanto a legislação quanto a jurisprudência determinam que créditos constituídos em operações de exportação não podem ter limites no uso, seja por um teto ou por parcelas. Na decisão proferida no dia 29 de maio, o juiz Fábio Alves da Motta, da 9ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, indica que o artigo 155 da Constituição determina a não incidência do ICMS sobre exportação e o direito de aproveitamento dos créditos de ICMS. Já a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) autorizaria a transferência dos créditos de ICMS para terceiros no mesmo Estado. Para ele, a LC já estabeleceu as condições para a transferência do estoque, “não tendo deixado margem aos Estados-membros para imposição de outras que limitem o seu exercício”. A limitação do ProAtivo, acrescenta, deve obedecer aos “limites impostos pelo legislador, posto que invade, ainda que indiretamente, patrimônio jurídico de sociedade empresária em regular exercício de atividade econômica”. Ele ainda determinou a correção dos valores dos créditos de ICMS pela Selic, algo incomum, para evitar “enriquecimento indevido da Administração Pública” (processo nº 1040134-87.2023.8.26.0053). De acordo com o tributarista Mauricio Barros, sócio do escritório Cescon Barrieu, o programa é benéfico pois agiliza a transferência de créditos, mas não deve ser encarado como um benefício. “É um direito do contribuinte. A Constituição fala que ICMS é não cumulativo, então o contribuinte não pode ficar acumulando saldos credores”, afirma. No caso dos créditos oriundos de exportação, mais ainda, diz ele, pois além de prevista a não cumulatividade, é direito da empresa o aproveitamento. “Não se pode criar entraves”, completa Barros. O uso e gestão dos créditos de ICMS, acrescenta, é essencial para as empresas com a aprovação da reforma tributária. “O governo vai devolver os créditos em 20 anos, então nossa orientação para os clientes é que até o final de 2032, têm que desovar o máximo possível os saldos credores”. Para André Buttini de Moraes, sócio fundador do ButtiniMoraes Advogados, que atuou pela empresa no processo, o programa não pode ignorar as leis vigentes e tirar o privilégio dos exportadores. “O ProAtivo não pode violar o direito previsto na Lei Kandir”, diz. “O Estado não está tendo essa discricionaridade sobre a exportação”, conclui. A empresa entrou com pedido de transferência de crédito tanto na Sefaz, de R$ 13,2 milhões, quanto no ProAtivo, de R$ 1,2 milhão, que era o que tinha direito pelo programa. A Sefaz, no entanto, indeferiu os dois pedidos, o que motivou a empresa a entrar com o mandado de segurança. A sentença, diz Buttini, destaca que “as limitações e fórmulas do ProAtivo não podem gerar resultado inferior ao crédito de exportação”. Para ele, a empresa era prejudicada com uma cota menor, pois a produção de soja não fica majoritariamente em São Paulo e a maioria das compras eram de fora do Estado. “A cota do ProAtivo terminava ficando pequena”, afirma. Segundo o advogado Guilherme Tostes, sócio do Bichara Advogados, o programa se tornou uma boa alternativa pelo costume da Sefaz de dificultar a autorização da venda de créditos. “É muito comum ter que entrar com mandado de segurança porque existe um prazo máximo de 120 dias [para a liberação dos créditos]”. Para ele, a sentença “prestigia a jurisprudência que existe quanto à impossibilidade de a Sefaz recusar a transferência de crédito de ICMS de exportadores”. No processo, a Sefaz afirmou que existem “diversos instrumentos de aproveitamento do crédito acumulado”. Procurada pelo Valor, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) disse que já recorreu da decisão e não comenta a questão fora dos autos.
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