A Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) deu recentemente duas decisões conflitantes sobre a tributação do programa de fidelidade da Multiplus (atual Latam Pass) – ferramenta de marketing que concede pontos para o cliente fazer novas compras. Em março, a Multiplus conseguiu cancelar na 1ª Turma uma autuação fiscal de 2011 que cobrava IRPJ e CSLL com relação ao programa de pontos (processo nº 10314.722542/2016-22). Porém, agora em junho, a 3ª Turma manteve auto de infração aplicado em 2012 contra a companhia, por não recolhimento do PIS e Cofins (processo nº 19515.720554/2016-21). As decisões são importantes porque podem servir de parâmetro para outras empresas que também têm programas de fidelidade. O ponto principal de ambas as discussões é o momento da tributação. Para a Receita Federal, a companhia deveria reconhecer as receitas no momento da venda dos pontos a seus parceiros – bancos, operadoras de cartões e a TAM Linhas Aéreas -, independentemente de terem sido efetivamente usados. Já para a empresa, só deve haver incidência após o cliente usar os pontos ou eles expirarem (após dois anos da aquisição). Para a Multiplus, no momento em que recebe os valores correspondentes aos pontos disponibilizados aos parceiros ainda não existe receita auferida. Isso só se concretiza quando o beneficiário resgata seus pontos. Até lá, haveria mera expectativa do que irá ocorrer no futuro, portanto, seria impossível determinar qual será o valor da receita. Segundo a companhia, a fiscalização teria se equivocado ao considerar a atividade da Multiplus como “mera venda de pontos”. Na 1ª Turma, a Multiplus apresentou recurso contra a cobrança de IR e CSLL com base em uma decisão da 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção que derrubou autuação sofrida em 2011 com relação ao PIS e a Cofins (acórdão nº 3402-004.146). De acordo com a decisão “o montante recebido em uma transação cuja obrigação de performance não se encontra plenamente determinada deve ser reconhecido como receita diferida, ocorrendo o reconhecimento da receita apenas quando atendidas as obrigações assumidas.” Ao analisar o caso, o relator conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto, afirmou que segue o entendimento do paradigma apontado pela empresa, que até então tinha decisão favorável para PIS e Cofins em Câmara baixa. Para ele, ao considerar os fundamentos do Pronunciamento Ibracon NPC n° 14 e 22, nas Resoluções CFC n° 750 (e alterações), 1.121 e 1.374 e na Deliberação CVM n° 29, no CPC 30 e 47, “conclui-se que a receita somente deve ser reconhecida quando for possível mensurar com confiabilidade as obrigações a elas atreladas”. Assim, segundo o relator, “em situações nas quais não seja possível mensurar a efetiva receita, não deve haver reconhecimento”. A decisão foi unânime. No caso específico da Multiplus, destaca ser possível o reconhecimento da efetiva receita relacionada aos pontos acumulados pelos clientes em dois momentos: no resgate dos pontos, “uma vez que, nesse instante, a real receita auferida pela Multiplus torna-se mensurável em bases confiáveis, sendo possível sua confrontação com os correspondentes itens de despesa”, e na expiração dos pontos, quando “é também possível a mensuração da efetiva receita auferida”. Na terça-feira desta semana, porém, a 3ª Turma, por maioria, manteve a cobrança do PIS e da Cofins. A empresa foi autuada por não recolher as contribuições no momento em que concedeu os pontos. A decisão ainda não foi publicada. Até então, a Multiplus tinha duas decisões favoráveis nessa discussão, mas que se encerraram nas câmaras baixas do Carf. Uma delas, por maioria, cancelou a cobrança, de 2010, de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins porque os tributos deveriam ser pagos no momento do resgate ou na caducidade dos pontos (processo nº 10314.720548/2015-84). A outra derrubou autuação de 2011 que cobrava PIS e Cofins (processo nº 10314.728182/2015-91). Segundo Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, com as decisões da Câmara Superior, agora, há julgados nos dois sentidos, o que impede a uniformização. Mas à medida que existem paradigmas dos dois lados, outros casos poderão subir para as câmaras superiores. No caso desfavorável à Multiplus, a empresa ainda pode recorrer ao Judiciário. “Ao meu ver o paradigma correto é o que deu ganho de causa ao contribuinte porque os conselheiros analisaram e entenderam a realidade do mercado”, diz Cabral. O advogado afirma que a materialidade dos tributos, ainda que seja distinta – já que a base do imposto de renda é o lucro e do PIS e da Cofins, o faturamento – o que importa é a realização da receita, tanto para IRPJ quanto para CSLL e PIS e Cofins. Segundo o advogado Fabio Calcini, sócio Brasil Salomão & Mathes Advocacia, só poderia haver tributação no resgate de pontos ou na expiração. “O fato gerador do tributo tem que acontecer quando há uma situação definitiva. Não pode estar sujeito a condições futuras”, afirma. Calcini destaca que, no caso do PIS e da Cofins, como o fato gerador é a receita, os conselheiros devem ter entendido que ela foi disponibilizada. “O que me parece um grave equívoco, que o Judiciário tende a confirmar a favor do contribuinte”, diz. De acordo com o tributarista, os casos da Multiplus podem servir para outras companhias com programas de fidelidade. Discussão semelhante também ocorre, segundo Calcini, com relação aos sites de compra coletiva, como Peixe Urbano, no qual o consumidor adquire algum serviço e pode ou não usar o seu voucher. Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) disse que “a 1ª Turma examinou lançamento de IRPJ, que incide sobre a receita e de CSLL, que incide sobre lucro líquido, enquanto a 3ª Turma examinou a incidência de PIS e Cofins, que têm por base de cálculo o faturamento. Assim, é possível que valores sejam considerados receitas, para fins de tributação do PIS/Cofins, mas não sejam considerados receitas na apuração do IRPJ/CSLL”. A assessoria de imprensa da Latam informou que não comenta o assunto.
Deixar um comentário