De São Paulo Maurício Faro: “Perdas não técnicas são uma despesa extremamente relevante” A Light conseguiu anular no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) duas autuações fiscais que somam aproximadamente R$ 2 bilhões. São as primeiras decisões favoráveis às distribuidoras de energia que autorizam a dedução do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL das chamadas perdas não técnicas – derivadas principalmente dos chamados “gatos”, os furtos decorrentes de ligações clandestinas na rede elétrica. Até então, as companhias perdiam essa discussão. A 4ª Turma Extraordinária da 1ª Seção aceitou, por unanimidade, recursos apresentados pela Light, cancelando integralmente os autos de infração. Os conselheiros acataram a argumentação de que essas perdas representam um custo inerente à atividade desenvolvida pela concessionária no Rio de Janeiro. Por isso, poderiam ser deduzidas da base dos impostos federais (processos nº 16682.720895/2020-62 e nº 16682.721089/2020-10). Para a Receita Federal, essas despesas não estariam ligadas à atividade econômica e a dedução só seria possível se cada furto de energia estivesse registrado de forma detalhada e individualizada em boletim de ocorrência policial. O que, segundo os advogados da empresa, seria impossível de se executar no atual cenário do Rio de Janeiro. O tema é de extrema importância para o setor. Segundo relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as perdas totais de energia na distribuição (técnicas e não técnicas) representaram aproximadamente 14% do mercado consumidor brasileiro em 2021. Significariam mais que o consumo total de energia elétrica das regiões Norte e Centro-Oeste em 2018. De acordo com parecer apresentado nos processos, de 2017 a 2021, a Light investiu mais de R$ 1,7 bilhão (valores históricos) no combate às perdas não técnicas. Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, que assessora a Light em um dos processos, destaca que essas perdas não técnicas decorrem substancialmente de furto. “Infelizmente, no Rio de Janeiro, existem áreas dominadas pelo crime organizado, pelas milícias, pelo tráfico. E nessas regiões, a proporção de gatos chega a 85%, 90%. Ou seja, só 10% dos moradores pagam a conta de energia”, diz. “Então, essas perdas não técnicas são, na atividade econômica das concessionárias, uma despesa extremamente relevante.” Carlos Henrique Bechara, sócio do Pinheiro Neto Advogados, que assessora a Light no outro processo, destaca que a companhia fez, só no ano de 2017, mais de 600 boletins de ocorrência. Porém, acrescenta, “por mais que se empenhe no combate, é impossível eliminar completamente essas perdas”. “A Light, por outro lado, é obrigada a distribuir energia em toda a área de sua concessão no Rio de Janeiro, incluindo áreas dominadas pelo tráfico e pela milícia.” Até 2021, cerca de 4,4 milhões de habitantes estavam sob controle de algum grupo armado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que representa aproximadamente 25% da população do Estado, de acordo com o trabalho “Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro”, publicado pelo Instituto Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF). As decisões obtidas pela Light são os primeiros precedentes favoráveis obtidos pelo setor de energia. De acordo com Bechara, são extremamente importantes porque todos os pontos técnicos da defesa foram analisados e amplamente debatidos pelo Carf. “O caso da Light é bastante expressivo porque é o maior valor de perdas por gatos no Brasil. A quantidade de energia furtada por ano é suficiente para abastecer todo o Estado do Espírito Santo”, diz. Para o advogado, no Rio de Janeiro, qualquer concessionária de energia estaria enfrentando exatamente o mesmo problema por conta da alta incidência de “gatos”. “A posição da Receita Federal afeta de forma direta a viabilidade financeira da concessão. Esse precedente traz ânimo para o setor.” Renata Yamada, diretora tributária da Light, considera o entendimento adotado pelo Carf de extrema relevância para tratar de forma justa o desequilíbrio econômico gerado pelo furto de energia, um grande desafio do setor elétrico. O prejuízo anual da empresa com os “gatos”, acrescenta, é de cerca R$ 1 bilhão, “em uma das áreas de concessão mais complexas do Brasil”. “Para se ter uma ideia do tamanho do desafio, a cada dez clientes regulares há outros seis que furtam energia.” Até então, as distribuidoras de energia vinha perdendo a discussão em outros casos analisados no Carf. Há pelo menos três decisões contrárias à dedução desses valores do IRPJ e da CSLL. Todas da 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção. Em 2020, os conselheiros decidiram manter uma autuação fiscal recebida pela Light. No processo, referente aos anos de 2013 e 2014, a companhia alegou que fez boletim de ocorrência. Porém, a fiscalização considerou o documento “vago e genérico” e alegou que a Aneel compensa os furtos na tarifa (processo nº 16682.721141/2018-13). A turma já havia analisado duas cobranças semelhantes. Uma delas da EDP Espírito Santo Distribuição de Energia (processo nº 15586.720168/2018-14). Manteve cobrança de IRPJ e CSLL e afastou a de PIS e Cofins. No caso da Light, a fiscalização considerou que as chamadas “perdas não técnicas” deveriam ter sido adicionadas ao resultado para apuração do lucro real e cálculo do IRPJ e CSLL. Pelo Regulamento do Imposto de Renda, elas podem ser deduzidas em casos de furto ou fraude. O assunto foi objeto de diferentes soluções de consulta da Receita. E em 2017 foi destacado que deve haver queixa-crime para comprovação de furto, o que já era previsto pelo Regulamento do Imposto de Renda. Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o tema ainda está sendo discutido e apreciado pelas turmas do Carf, “de modo que é preciso aguardar para ver como a jurisprudência irá se consolidar”. E destaca que, nos acórdãos 1402-004.314 e 1402-004.517, o tribunal decidiu que as empresas precisam cumprir os requisitos previstos na legislação fiscal para poder deduzir, na apuração do IRPJ e da CSLL, as perdas decorrentes do furto de energia.
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