O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) está para definir se são válidos autos de infração lavrados pela Prefeitura de São Paulo por falta de recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS) nos meses de janeiro e fevereiro do ano de 2018. A decisão vai ser dada em recurso do município contra sentença favorável obtida pelo Banco Alfa. Há pelo menos mais uma sentença e uma liminar obtida por contribuintes. A questão foi levada à Justiça depois de a prefeitura realizar, no fim de 2023, uma ofensiva contra quase 120 prestadores de serviços que não recolheram o ISS para o município no período em discussão. Passaram a ser exigidos os valores devidos com juros de mora e atualização monetária. A discussão envolve a Lei Complementar nº 157, de 2016, que deslocou a competência para a cobrança do ISS do município do prestador do serviço para o do tomador. A norma entrou em vigor no começo de 2018, porém, os dispositivos que instituíram a mudança da competência foram questionados e suspensos no Supremo Tribunal Federal (STF). No mês de março de 2018, o ministro Alexandre de Moraes proferiu liminar nesse sentido (ADPF 499, ADI 5835 e ADI 5862). Entendeu que a nova disciplina normativa deveria apontar com clareza o conceito de “tomador de serviços” ou geraria insegurança jurídica e a possibilidade de dupla tributação. Só mais tarde, ao analisar o mérito, em junho do ano passado, o STF declarou inconstitucional a alteração. Nasceu então a dúvida sobre qual regra valeria em janeiro e fevereiro de 2018. A Prefeitura de São Paulo entendeu que poderia aplicar a cobrança retroativa do ISS referente aos dois primeiros meses daquele ano e lavrou as autuações fiscais. No caso do Banco Alfa, a cobrança foi de R$ 60 mil. Contribuinte teve que ir ao Judiciário para não ser punido por ter cumprido a lei” — Diogo Ferraz Empresas e instituições financeiras apontam que a falta de modulação temporal e a ambiguidade na definição de “tomador de serviços” pelo STF deram origem à disputa. A decisão favorável ao Banco Alfa foi concedida pela juíza Lais Helena Bresser Lang, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. Para ela, “a autora providenciou o recolhimento no município do tomador, corretamente, baseando-se na alteração legislativa vigente à época, não podendo subsistir o auto de infração imposto pelo município de São Paulo, pois a LC nº 157/2016 é a lei que deve reger o presente caso concreto” (processo nº 1059165-30.2022.8.26.0053). A magistrada baseou sua argumentação no artigo 2ª da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), segundo o qual “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. Lais considerou também que a suspensão da LC nº 157, de 2016, só ocorreu após o recolhimento do tributo pelo banco em outros municípios. Sobre o conceito de tomador de serviços, a juíza destaca, na decisão, a aplicabilidade de uma norma da Fazenda municipal e da Lei Complementar nº 175, de 2020. “Embora o Parecer Normativo SF nº 2, de 2017, interpretasse que o prestador de serviço seria o administrador do fundo e o tomador do serviço, o fundo de investimento, posteriormente, com a edição da LC nº 175/2020, especificou-se a figura do ‘tomador dos serviços’ da atividade de fundo de investimento, estabelecendo-se que o tomador será o cotista”, diz. Ela também ressalta na decisão que uma solução de consulta editada pelo Departamento de Tributação e Julgamento da Secretaria da Fazenda do município de São Paulo (Dejug/SF), de outubro de 2018, teria gerado confusão. Por meio da norma, de nº 41, o Fisco havia orientado o contribuinte que fez a consulta a recolher o ISS ao município do tomador de serviços para os fatos geradores ocorridos entre 1º de junho de 2017 e 22 de março de 2018 (data da liminar do STF). Segundo a advogada Jessica Chehter Brand, do escritório Schneider Pugliese, a decisão é importante porque a discussão impacta bancos e seguradoras de saúde, que seriam as mais autuadas por se destacarem, em valores, na arrecadação de ISS. “Para muitas empresas, apesar de serem só dois meses, trata-se de um montante significativo para o caixa”, diz. “Se o imposto já foi recolhido para outro município, a empresa teria que pagar em dobro.” Jéssica diz que a Prefeitura de São Paulo fez uma verdadeira corrida no fim do ano. “Temos clientes que receberam questionamentos e intimações para autorregularização. Esclarecemos, porém, que seria possível questionar no Judiciário”, afirma. “Alguns pagaram mesmo assim e os que foram autuados poderão usar essa sentença como precedente.” Para o advogado Ricardo Godoi, que representou o Banco Alfa no processo, a partir de março de 2018 só uma modulação do STF poderia salvaguardar o direito das empresas que pagaram o ISS conforme a lei. Como seria improvável a modulação, acrescenta, decidiu-se então ajuizar a ação. O banco tem o valor em discussão depositado em juízo. Calixto dos Santos Guimarães, gerente-geral do Contencioso Tributário da instituição financeira, destaca que a decisão obtida pelo banco é a primeira com esse entendimento. “É um bom precedente porque traz o posicionamento do Judiciário no sentido de considerar a liminar do STF sobre o assunto. Vamos ver se ela se mantém no TJSP.” Por meio de nota, a Procuradoria Geral do Município (PGM) informou que a ação judicial do Banco Alfa encerra controvérsia restrita ao período anterior à liminar concedida na ADI 5835. “A lei [nº 157/2016] gerou dúvidas em relação à competência de tributação e, por isso, vários pontos do texto foram considerados inconstitucionais pelo STF. A argumentação da Prefeitura de São Paulo já foi apresentada ao processo e está em análise pelo Poder Judiciário”, diz a nota. A outra sentença favorável aos contribuintes foi obtida por um conjunto de gestoras de fundos de investimento. A juíza Cynthia Thome, da 6ª Vara da Fazenda Pública, considerou que, no período dos fatos, a LC nº 157, de 2016, estava em vigor. “À época dos fatos o ISS era devido ao domicílio do tomador do serviços, e não do prestador”, afirma. Ela lembra, na decisão, que o STF suspendeu essa previsão da LC nº 157, mas ponderou que os efeitos da decisão não devem retroagir (processo nº 1090496-93.2023.8.26.0053). O advogado do caso, Diogo Ferraz, sócio do escritório Freitas Leite, afirma que as decisões judiciais mostram a preocupação do Judiciário de proteger os contribuintes que seguiram as leis vigentes à época. “O absurdo é o contribuinte ter que ir ao Judiciário para não ser punido por ter cumprido a lei”, diz. Ele atua em outros casos que aguardam decisão em primeira instância. Na liminar, obtida por outra gestora de fundos, a juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, aplicou o artigo 146 do Código Tributário Nacional (CTN). O dispositivo não permite que o lançamento tributário alcance fatos pretéritos por mudança no critério jurídico (processo n° 1018717-44.2024.8.26.0053). “A postura da prefeitura promove insegurança jurídica e litigiosidade ao explorar uma lacuna na posição do STF”, afirma o advogado que representa a gestora no processo, Rafael Vega, do escritório Cascione Advogados. Segundo ele, a prefeitura estaria cobrando em duplicidade o ISS de contribuintes cuja “falha” foi ter seguido a lei vigente. Procurada pelo Valor, a Prefeitura não comentou as decisões obtidas pelas gestoras de fundos.
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