Com o objetivo de estabelecer uma tributação diferenciada e favorecida no segmento do agronegócio, especialmente quanto aos alimentos — entre eles, aqueles que compõem a cesta básica —, podemos identificar diversas legislações fiscais sobre a tributação do consumo adotando medidas de redução da carga fiscal sob as mais variadas formas (alíquota zero, base de cálculo reduzida, crédito presumido, entre outros).

PIS/Cofins
De forma exemplificativa, podemos citar, quanto ao PIS/Cofins, o artigo 1º da Lei nº 10.925/2005, que estabelece alíquota zero no mercado interno e na importação para diversos produtos, entre eles:

– leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado, leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado, leite fermentado, bebidas e compostos lácteos e fórmulas infantis, assim definidas conforme previsão legal específica, destinados ao consumo humano ou utilizados na industrialização de produtos que se destinam ao consumo humano

– queijos tipo muçarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino; soro de leite fluido a ser empregado na industrialização de produtos destinados ao consumo humano;

– Farinha de trigo classificada no código 1101.00.10 da Tipi; trigo classificado na posição 10.01 da Tipi; e pré-misturas próprias para fabricação de pão comum e pão comum classificados, respectivamente, nos códigos 1901.20.00 Ex 01 e 1905.90.90 Ex 01 da Tipi; massas alimentícias classificadas na posição 19.02 da Tipi;

– Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal classificados nos seguintes códigos da Tipi: a) 02.01, 02.02, 0206.10.00, 0206.2, 0210.20.00, 0506.90.00, 0510.00.10 e 1502.10.1; b) 02.03, 0206.30.00, 0206.4, 02.07, 02.09 e 0210.1 e carne de frango classificada nos códigos 0210.99.00;

– peixes e outros produtos classificados nos seguintes códigos da Tipi: a) 03.02, exceto 0302.90.00; 03.03 e 03.04; café classificado nos códigos 09.01 e 2101.1 da Tipi;

– açúcar classificado nos códigos 1701.14.00 e 1701.99.00 da Tipi;

– óleo de soja classificado na posição 15.07 da Tipi e outros óleos vegetais classificados nas posições 15.08 a 15.14 da Tipi;

– manteiga classificada no código 0405.10.00 da Tipi; margarina classificada no código 1517.10.00 da Tipi.

ICMS
Por sua vez, para o ICMS a previsão vem, por exemplo, do Convênio 128/94, que disciplina Convênio ICMS 128/94 que cuida do “tratamento tributário para as operações com as mercadorias que compõem a cesta básica”.

O debate provocado por tais previsões
Essas legislações descritas de forma exemplificativa, muitas vezes, como visto, para permitir a tributação diferenciada de algum produto, em especial, alimentos, estabelecem o rol daqueles que estariam incluídos na redução de carga fiscal adotando, para isso, o NCM da Tipi ou outras descrições, envolvendo, com grande frequência, critérios de classificação fiscal.

Sem negar o fato de ser um critério técnico e até mesmo adequado, essas previsões têm gerado muitas discussões e contencioso fiscal no setor.

Vamos a alguns debates.

Um produto cárneo que seja salgado ou mesmo com adoção de alguns temperos, continuaria a ser tributado com alíquota zero de PIS/Cofins ou levaria a ser classificado para o Capítulo 16 da Tipi e, por conseguinte, haveria a exigência das alíquotas gerais da não cumulatividade (9,25%)?

A Receita Federal, em algumas ocasiões, sustenta não compor a tributação reduzida [1].

E não paramos por aí. O produto vendido por empresas lácteas para as redes de fast food que comercializam as casquinhas, o que seria? Bebida láctea ou sorvete? [2]

Um fettucine parmesão bacon seria massa alimentícia sujeita à redução do ICMS? Alguns estados da Federação dizem que não seria, cobrando o imposto de forma integral.

E o bacalhau dessalgado congelado? Alíquota zero de PIS/Cofins, como classificar? Seria NCM 0303.63.00 ou NCM 0305.62.00?[3]

Até mesmo o pão tem suas controvérsias [4].

Todas essas situações descritas são casos concretos, atualmente, em discussão e que geram enorme incerteza no setor, causando não somente um grande contencioso, mas, em verdade, levando até mesmo à indevida majoração do preço final ao consumidor dos produtos alimentícios, em descompasso com a necessidade de uma tributação reduzida sobre os alimentos.

Entender e simplificar
Não pretendemos neste breve artigo ingressar no mérito das classificações fiscais das hipóteses citadas, mas, diante da reforma tributária aprovada, que se propõe a simplificar o sistema fiscal, buscamos compreendê-los a fim de que as leis complementares a serem elaboradas venham a solucionar e impedir que hipóteses como as descritas voltem a ser recorrentes.

Sabemos que a tarefa não é fácil, mas, em respeito à segurança jurídica e simplificação, bem como o tratamento favorecido ao agronegócio, especialmente, por meio de alíquotas reduzidas ou zero (exemplo cesta básica) será fundamental adotar medidas legislativas que evitem tais controvérsias, por exemplo, por meio estruturas jurídicas que venham a trazer hipóteses exemplificativas e não taxativas atreladas exclusivamente às classificações fiscais.

O momento, portanto, é propício à solução dos problemas atuais, não com a finalidade de aumento da carga fiscal, mas, sobretudo, para simplificar, respeitando as reduções propostas pelo constituinte reformador para o setor do agronegócio e principalmente os alimentos.


 

[1] “ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS. Período de apuração: 01/10/2012 a 31/12/2012

NOMENCLATURA COMUM DO MERCOSUL. REGRAS GERAIS. NOTAS EXPLICATIVAS.As Notas Explicativas do Sistema Harmonizado de Codificação e Classificação de Mercadorias – NESH estabelecem o alcance e o conteúdo da Nomenclatura abrangida pelo SH, pelo que devem ser obrigatoriamente observadas para que se realize a correta classificação de mercadoria.CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS. REGRAS GERAIS. NOTAS EXPLICATIVAS. ORDEM DE APLICAÇÃO. A primeira das Regras Gerais para Interpretação do Sistema Harmonizado – RGI-SH prevê que se determina a classificação de produtos na NCM de acordo com os textos das posições e das Notas de Seção ou de Capítulo, e, quando for o caso, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e Notas, de acordo com as disposições das Regras 2, 3, 4 e 5.CARNE. CLASSIFICAÇÃO.Em se tratando de carne, a correta classificação fiscal das mercadorias segundo a NCM não depende apenas da mercadoria ser ou não “in natura”, sendo que toda a carne temperada, exceto se apenas com sal, deve ser classificada no Capítulo 16.(CARF, 3ª Seção, Ac. 3201-005.721, j. 25/09/2019).

[2] “TRIBUTÁRIO. TABELA DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – TIPI. NOMENCLATURA COMUM DO MERCOSUL – NCM. BEBIDA LÁCTEA DESTINADA À ALIMENTAÇÃO HUMANA. “LACTOPRO M” E “LACTOPRO V”. CLASSIFICAÇÃO FISCAL DA MERCADORIA. DECRETO 6.759/2009, ART. 94, PARÁGRAFO ÚNICO. REVISÃO DO ENQUADRAMENTO FISCAL PELA RECEITA FEDERAL. COMPOSIÇÃO DO PRODUTO. REGRA DE INTERPRETAÇÃO: SH, ITEM 3B: CARACTERÍSTICA ESSENCIAL. PEDIDO IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. AGRAVO RETIDO NÃO PROVIDO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Inexistindo controvérsia entre as partes quanto aos componentes da mistura cuja classificação é objeto de discussão nestes autos, desnecessária a produção de prova pericial. Agravo retido não provido. 2. Os produtos misturados, as obras compostas de matérias diferentes ou constituídas pela reunião de artigos diferentes e as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, cuja classificação não se possa efetuar pela aplicação da Regra 3 a), classificam-se pela matéria ou artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar esta determinação (Regra Geral para Interpretação do Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, item 3b).3. Na hipótese dos autos, constatando a Receita Federal, em razão da composição da mercadoria produzida pela apelante (bebida láctea destinada à alimentação humana: LactoPro M e LactoPro V), três possibilidades de enquadramento fiscal, e admitindo que possui a mistura 66,5% de leite e derivados do leite, a classificação deve se dar na posição 04.04 da Nomenclatura Comum do Mercosul-NCM, que compreende além do soro de leite, produtos constituídos por componentes naturais do leite.( TRF 1ª Região, APELAÇÃO CÍVEL 0033557-46.2010.4.01.3400/DF, j. 14/08/2015.)

[3] “ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIASData do fato gerador: 26/10/2007, 13/12/2007, 04/03/2008, 16/05/2008, 11/06/2008, 01/07/2008, 01/07/2009, 11/11/2009, 26/11/2009, 07/01/2010, 2/02/2010, 09/03/2010, 06/10/2010
Polaca desfiada dessalgada congelada . Ultracongelado theragra Chalcograma – NCM 0304.99.00 File de peixe tipo bacalhau congelado, Alaska pollock, sem pele e sem espinha acondicionado em caixas de papelão – NCM 0304.29.90 O peixe “Alaska Pollock”, é muitas vezes chamado de “Bacalhau Pollock”, e é um peixe do gênero/espécie “Theragra Chalcograma”. Em 2014 o nome oficial cientifico foi trocado para “Gadus chalcogrammus”.Polaca desfiada congelada – NCM 0304.99.00 O peixe pacific alaska pollock (theragra chalcogramma) Tamanho 60-120g, quando não é informado a forma de apresentação da mercadoria, se congelada ou não, em forma de filé, desficada, pedaços ou inteira, deve ser aplicado o art. 85 da MP nº 2.158-35/2001. – NCM 0305.59.90.Polaca desfiada dessalgada congelada saco 3 kg – NCM 0304.99.00 Polaca salgada desfiada estado físico: salgado – espécie: theragra chalcograma – Pela descrição das mercadorias, polaca salgada desfiada, não é possível saber se , se trata de defumados, secos, ou nenhum dos dois, diante disso corretamente aplicou a fiscalização o art. 85 da MP nº 2.158-35/2001. – NCM 0305.59.90.Peixe salgado tipo bacalhau salgado desfiado alaska pollack estado físico: salgado – espécie: theragra chalcogram. Pela descrição das mercadorias, peixe salgado desfiado tipo bacalhau salgado “alaska pollack, não é possível saber se são secos ou em salmoura, diante disso corretamente aplicou a fiscalização o art. 85 da MP nº 2.158-35/2001 – NCM 0305.59.90
Correta a aplicação da Multa de 1% sobre o valor aduaneiro das mercadorias, Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, art. 84, §2º, mesmo quando não há diferença de tributos a serem cobradas.(CARF, 3ª Seção, Ac. 3201-008.914, j 27/08/2021).

[4] “ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS).Período de apuração: 01/01/2014 a 31/12/2014PÃO COMUM. DEFINIÇÃO. ALÍQUOTA ZERO. LEI 10.925/2004. POSIÇÃO 1905.9090 Ex 01.“Pão comum” é o produto alimentício obtido pela cocção de preparo contendo apenas farinha de trigo, fermento biológico, água, sal e/ou açúcar..(CARF, 3ª Seção, Ac. 3402-007.321, 18/02/2020.).

 

  • Brave

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.