A possibilidade de um tema tributário ficar sem resposta de mérito levou a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça a fazer uma reavaliação da própria jurisprudência, para definir se deve ou não enfrentar o tema. Wikimedia Commons Fundo usado para repasse das tarifas do transporte público de Curitiba tem sido incluído na base de cálculo do Pasep O caso trata do recurso ajuizado pela prefeitura de Curitiba contra a ampla tributação feita pela União em seus fundos municipais, ao cobrar o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). O município tem ajuizado ações para reduzir a base de cálculo e afastar a inclusão de verbas que considera indevida, mas tem sido derrotado nas instâncias ordinárias. Os recursos do município, no entanto, não têm sido admitidos nem no STJ, nem no Supremo Tribunal Federal. O STJ alega que a argumentação recursal envolve tema constitucional, cuja análise deve ser feita pelo STF. E o Supremo entende que a violação à Constituição é apenas reflexa ou indireta. O resultado é uma espécie de limbo recursal que foi reconhecido pelos integrantes da 1ª Turma e agora será analisado, a partir de pedido de vista da ministra Regina Helena Costa. Relator, o ministro Gurgel de Faria aplicou a jurisprudência vasta do tribunal para não conhecer do recurso, mas suscitou o debate entre os colegas. A questão A alegação do município de Curitiba é que a União está incluindo na base de cálculo do Pasep verbas que são contabilmente classificadas como receita, mas que, na prática, apenas passam pelos cofres sem se incorporar ao patrimônio, pois são repassadas a terceiros. Assim, a União estaria alterando o conceito jurídico-financeiro de receita pública da Lei 4.320/1964, a norma que fixa as formas de elaboração e controle de orçamentos públicos. E ao fazê-lo, estaria também violando o artigo 110 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a lei tributária não pode alterar conceitos presentes em outros ramos do Direito para definir ou limitar competências tributárias. Há, portanto, o conflito de uma lei ordinária (Lei 4.320/1963) com uma lei complementar (CTN), tema que não pode ser analisado pelo STJ por ter índole constitucional. Isso ocorre porque a invasão, por lei ordinária, da esfera de competência reservada constitucionalmente à lei complementar acarreta a sua inconstitucionalidade, e não a sua ilegalidade. Esse conflito deve ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a análise de temas constitucionais. Rafael Luz/STJ Ministro Gurgel de Faria suscitou debate colegiado, mas propôs manter posição de que o tema é de competência do Supremo Deixa que eu deixo O problema é que quando a controvérsia chegou o STF, o entendimento foi de que a ofensa ao texto constitucional seria meramente reflexa ou indireta. Assim, a solução passaria por análise da legislação infraconstitucional, que cabe ao STJ. Essa posição foi firmada pela 1ª Turma do STF em 2022, em recurso do município de Curitiba também sobre a cobrança do Pasep (ARE 1.310.286). Esse caso ficou sem resposta de mérito na instância superior. Essa situação foi ressaltada pela procuradora do município, Patrícia Ferreira Pomuceno, na sustentação oral. Ela ressaltou que o resultado pode afetar as mais de 5 mil prefeituras do país. “É preciso julgamento do mérito, até para orientação de como fazer o pagamento dos tributos”, disse. Segundo a procuradora, a União vem incluindo na base de cálculo do Pasep verbas do Fundo de Urbanização de Curitiba, por meio do qual a prefeitura recebe valores pagos pelas tarifas do transporte público e repassa às concessionárias do serviço. Da mesma forma, tem tributado verbas do Fundo Municipal de Saúde, formado por repasses da própria União e estados para o pagamento de serviços públicos de saúde prestados por entidades conveniadas ao Sistema Único de Saúde. Nesse caso, o município recebe a verba, verifica qual hospital ou clínica prestou o serviço e repassa o valor. Em alguns casos, o dinheiro vai direto da União para o prestador, sendo registrado contabilmente no fundo municipal. Respostas O ministro Gurgel de Faria está convicto de que o tema é mesmo reservado à competência do Supremo Tribunal Federal, diante da argumentação apresentada pelo município no recurso especial. Ao pedir vista, a ministra Regina Helena Costa classificou o problema como prático e afirmou que a situação causa desconforto. “Simplesmente não há nenhum tribunal para apreciar o recurso”, disse. Já o ministro Sérgio Kukina opinou que a situação é causada por um problema legislativo. E ponderou: “não seria saudável deixar o jurisdicionado sem respostas”. O ministro Paulo Sérgio Domingues também exaltou a oportunidade criada. Ele destacou que, nos tempos de desembargador federal, essa interpretação do STJ sempre causou alguma estranheza. “É bacana que isso seja discutido.” REsp 1.906.018 ARE 1.310.286 Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
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