O STF (Supremo Tribunal Federal) julgou recentemente procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 69, proposta pelo Partido Novo, através da qual a agremiação requereu a declaração de constitucionalidade dos artigos 18, caput, e do artigo 19, caput e §§1º e 2º, ambos da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A iniciativa do partido com o aforamento do processo foi estancar a edição das mais variadas interpretações sobre os dispositivos da LRF, principalmente em estados e municípios, para garantir a plena eficácia da norma.

Segundo o proponente, os entendimentos adotados por tribunais de Justiça e de contas estaduais, em derredor da composição das despesas com pessoal, levaram entes federados a exclusão do montante do Imposto de Renda da Pessoa Física, retido na folha de pagamento dos seus servidores, do total da despesa com Pessoal, assim como a não contabilização dos gastos com inativos e pensionistas nesta rubrica.

A inicial da Ação aponta que esse movimento é uma clara usurpação da competência da União em legislar sobre o tema, esvaziando o conteúdo da Lei de Responsabilidade Fiscal. De sorte que, aproveitando-se da queda artificial de seus índices de despesa com pessoal, os entes subnacionais inflam, ainda mais, seus gastos com a contratação de servidores.

O Supremo julgou procedente, à unanimidade, a ação e declarou a constitucionalidade dos trechos da LRF em questão, em voto condutor do ministro Alexandre de Moraes em sessão do plenário virtual ocorrida entre 23 e 30 junho de 2023.

O governo federal não esperou o deslinde da questão pelo STF para agir em face do referido processo, que ingressara na Corte em 26 de fevereiro de 2020. Assim sendo, em 13 de janeiro de 2021, editou a Lei Complementar nº 178/20201, que instituiu o programa de acompanhamento fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, visando reforçar a transferência fiscal dos entes subnacionais, bem como harmonizar suas políticas fiscais com as da União.

O referido diploma legal também alterou os artigos 18, 19, 20 e 23 da LRF para restringir a possibilidade de interpretações sobre a composição das despesas de pessoal, especialmente sobre o cômputo com o pagamento de inativos e pensionistas, além de reforçar que a remuneração bruta do servidor, sem deduções, deve compor a despesa total com pessoal do ente.

Por conseguinte, os referidos dispositivos estão alinhados com os fundamentos que o Supremo considerou no julgamento da ADC 69, tanto que o relator da ação, não viu óbice na continuidade do julgamento, mesmo após a edição da Lei Complementar nº 178/2021.

Ademais, a novel legislação também alterou o artigo 59 da LRF para obrigar os tribunais de contas, o controle interno dos entes e o Poder Legislativo a fiscalizaram o cumprimento da LRF, considerando as normas de padronização metodológica editadas pelo conselho de que trata o artigo 67 da Lei. No caso, o conselho de gestão fiscal.

Esse colegiado já tinha sido previsto desde a promulgação da LRF, em 2000, mas nunca teve sua criação concretizada pelo Congresso.

Embora apresentado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, na aurora da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Projeto de Lei nº 3.744/00 Conselho de Gestão Fiscal se arrasta há mais de 20 anos sem receber chancela do Legislativo.

Consoante o Portal do Senado Federal, o PL teve sua apreciação concluída na Câmara em 30 de maio de 2019 e foi remetido na mesma data à Casa Alta e aguarda a designação do seu relator. No Senado, tramita sob número 3.520/2019.

Assim, nada indica que a proposta será aprovada nesta ou em qualquer outra legislatura, uma vez que não há qualquer indicação que o projeto de lei seja prioritário para o governo

Como efeito da mora legislativa, observa-se que o Poder Executivo da União absorveu a tarefa que seria executada pelo conselho, cuja composição envolveria representantes dos demais entes nacionais, dos Tribunais de Contas, do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Congresso.

Não faltaram oportunidades aos governos que se sucederam em trabalhar pela aprovação da proposta, haja vista que a Lei de Responsabilidade Fiscal já sofreu oito alterações em seu texto original desde sua edição em 4 de maio de 2000.

Diante disso, dada a não instituição do colegiado, caberá à Coordenação-Geral de Normas de Contabilidade Aplicadas à Federação da Secretaria do Tesouro Nacional emitir as normas e padrões de elaborações dos demonstrativos, sem que seja legalmente necessário auscultar os entes subnacionais nesta matéria.

Entretanto, o rol de competências do Conselho de Gestão Fiscal, conforme o texto definitivo da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, seria bem maior que o previsto para a STN e envolveria também: a disseminação de práticas que resultem em mais eficiência na alocação e na execução do gasto público, na arrecadação de receitas, no controle do endividamento e na transparência da gestão fiscal; a edição de normas gerais de consolidação das contas públicas, com vistas à convergência das normas brasileiras com os padrões internacionais e a edição de normas gerais de consolidação das contas públicas, com vistas à convergência das normas brasileiras com os padrões internacionais.

Desta sorte, a patente mora legislativa priva o país de um importante, representativo e legitimo colegiado para debater a responsabilidade fiscal no país, além disso, caso sua criação já tivesse sido aprovada, certamente a iniciativa do Partido Novo não teria sido necessária.

 

 é pós-graduado em Gestão Pública e em Direito Público, mestre em Administração e auditor substituto de conselheiro concursado do Tribunal de Contas dos Municípios.

Fonte: ConJur