Em continuidade ao projeto “Observatório de Jurisprudência do TIT/SP”, a segunda fase do estudo tem por finalidade o monitoramento das decisões proferidas pela Câmara Superior do TIT no período subsequente àquele abrangido na etapa inicial.

Entre 31/05/2021 a 26/06/2021, foram publicados 60 acórdãos, que trataram das seguintes matérias:

(i) 38 acórdãos referem-se a Recursos Especiais que não tiveram seu mérito conhecido por ausência dos requisitos do artigo 49, da Lei 13.457/09;  (ii) 03 acórdãos relacionados ao tema redução da base de cálculo, alíquotas diferenciadas, isenção e não incidência; (iii)  06 acórdãos dizem respeito ao tema 07 responsabilidade solidária; (iv) 02 acórdãos sobre o direito ao crédito de ICMS; (v) 02 acórdãos referentes ao ICMS Substituição Tributária; (vi) 05 acórdãos relacionados à “guerra fiscal” do ICMS; (vii) 01 acórdão acerca da decadência; (viii) 01 acórdão relacionado a obrigação acessória e levantamento fiscal; (ix) 01 acórdão sobre crédito indevido por destaque de ICMS em Nota Fiscal de Retorno e; (x) 01 acórdão sobre moderação sancionatória (Redução e Relevação da Multa Fiscal).

 

Analisaremos, com efeito, o AIIM n. 4.045.724-2, que está relacionado com o tema “Direito ao Crédito de ICMS”, objeto da primeira fase do projeto “Observatório de Jurisprudência do TIT/SP”, mais precisamente, a questão que envolve o aproveitamento de créditos de materiais de uso e consumo ou intermediários.

Anoto que este assunto foi objeto de excelente artigo aqui no Jota, no espaço do “Observatório TIT”, de autoria de Odilo Sossoloti, em 08.04.2021. O referido artigo, ao analisar a decisão proferida pela Câmara Superior no AIIM 4.090.184-1, demonstrou com maestria a divergência jurisprudencial no âmbito das Câmaras Julgadoras do TIT, bem como, entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, concluindo, ao final, pela necessidade de pacificação sobre o tema pela Câmara Superior, para que os julgamentos proferidos pelas Câmaras Julgadoras se tornem mais céleres.

Não obstante concorde ipsis litteris com o autor do artigo em comento, penso que a divergência jurisprudencial nas Câmaras Julgadoras irá persistir, pois, os próprios tribunais de cúpula do Judiciário possuem entendimentos jurídicos dissonantes, salvo se o Tribunal de Impostos e Taxas editar Súmula (artigo 52 da Lei 13.457/09) ou definir a questão jurídica por meio de Sessão Temática (art. 57-A da Lei 13.457/09).

Seja como for, nosso escopo é analisar o julgamento prolatado pela Câmara Superior no AIIM n. 4.045.724-2, que confirma a jurisprudência do colegiado, assim ementado:

ICMS. INFRAÇÕES RELATIVAS AO CRÉDITO DO IMPOSTO. Creditou-se indevidamente do ICMS, mediante lançamento no campo ”057-Outros Créditos” das Guias de Informação e Apuração do ICMS, relativamente a entradas de mercadorias destinadas a uso e consumo do estabelecimento, conforme resposta notificação anexa. O contribuinte foi notificado para estornar referidos créditos, no entanto, deixou de fazê-lo no prazo estipulado. Incontroverso que as mercadorias não foram consumidas de forma imediata e integral no processo de produção. Produtos que apenas se desgastam normalmente pelo uso ao longo do tempo e que não se consomem imediata e integralmente no processo produtivo e não integram o produto final não conferem direito a crédito de ICMS. Precedentes desta c. Câmara Superior neste sentido. Nulidade afastada. RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO.

Pela decisão epigrafada, somente os materiais consumidos imediata e integralmente no processo produtivo ou que integrem o produto final, conferem direito ao crédito do imposto, conforme artigo 66, inciso V, do RICMS.

Entretanto, pretendemos destacar neste trabalho a ratione decendi de três decisões recentes da 2ª. Câmara Julgadora do TIT, que foram pelo cancelamento dos lançamentos fiscais, adotando interpretação infraconstitucional para diferençar os materiais de uso e consumo inerentes e imprescindíveis às atividades econômicas e/ou produtivas do contribuinte, daqueles que servem apenas como suporte para o seu funcionamento. Em relação aos primeiros, incide o artigo 20 da LC 87/96, mas em relação aos segundos, é de se aplicar a limitação temporal do artigo 33, inciso I, consoante os termos dos acórdãos em testilha.

Trago à colação as ementas do AIIM n. 4.134.361-0 (voto preferência condutor de minha autoria), do AIIM n.  4.121.632-5 (voto vista condutor de minha autoria) e do AIIM n. 4.125.867-8 (de minha relatoria):

ICMS – CRÉDITO INDEVIDO – MATERIAIS NECESSÁRIOS NO PROCESSO PRODUTIVO – CRÉDITO LEGÍTIMO – NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 33, INCISO I, DA LC 87/96 E DO ARTIGO 66, INCISO V, DO RICMS/00 – MERCADORIA DESTINADA ÀS ATIVIDADES DO CONTRIBUINTE – DECISÃO NORMATIVA CAT 01/01, ITEM 3.5 – CANCELAMENTO DO LANÇAMENTO FISCAL QUE SE IMPÕE – NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA AFASTADA – RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO (AIIM 4.134.361-0, julgamento em 03.08.21)

ICMS – CRÉDITO INDEVIDO – MATERIAIS NECESSÁRIOS NO PROCESSO PRODUTIVO – CRÉDITO LEGÍTIMO – NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 33, INCISO I, DA LC 87/96 E DO ARTIGO 66, INCISO V, DO RICMS/00 – MERCADORIAS DESTINADAS ÀS ATIVIDADES ESSENCIAIS DO CONTRIBUINTE, MUITO EMBORA NÃO SEJAM CONSUMIDAS NO PROCESSO INDUSTRIAL NEM INTEGRE O PRODUTO FINAL – LAUDO TÉCNICO COMPROVANDO QUE AS MERCADORIAS SÃO INERENTES AO PROCESSO PRODUTIVO – DECISÃO NORMATIVA CAT 01/2001, ITEM 1.1 – CANCELAMENTO DO LANÇAMENTO FISCAL QUE SE IMPÕE – PRELIMINAR AFASTADA – JUROS SÚMULA 10 – MULTA CONFICATÓRIA – ARTIGO 28 DA LEI 13.457/09 – RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO (AIIM 4.121.632-5, julgamento em 06.07.21)

ICMS – CRÉDITO INDEVIDO – MATERIAIS DE USO E CONSUMO NECESSÁRIOS E INERENTES ÀS ATIVIDADES DO CONTRIBUINTE – CRÉDITO LEGÍTIMO – NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 33, INCISO I, DA LC 87/96 E DO ARTIGO 66, INCISO V, DO RICMS/00 – INTELECÇÃO DA DECISÃO NORMATIVA CAT 01/01 – CANCELAMENTO DO ITEM 01 DO AIIM QUE SE IMPÕE – DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – EMISSÃO IRREGULAR DE NOTAS FISCAIS – INFRAÇÃO CONFIGURADA – ITEM 03 DO AIIM MANTIDO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 204 DO RICMS – REDUÇÃO DA MULTA FISCAL – APLICAÇÃO DO ARTIGO 527-A DO RICMS – REQUISITOS OBJETIVOS PRESENTES – CRITÉRIOS SUBJETIVOS DA NORMA QUE PERMITEM A MITIGAÇÃO DA REPRIMENDA – NÃO ENVIDENCIAÇÃO DE ANTECEDENTES FISCAIS DESABONADORES – PORTE ECONÔMICO DO CONTRIBUINTE QUE DEVE SER CONSIDERADO JUNTAMENTE COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO – ILEGALIDADE DOS JUROS – SUMULA 10 – MULTA CONFISCATÓRIA – ARTIGO 28 DA LEI 13.457/09 – NÃO CONHECIMENTO – CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE DILAÇÃO PROBATÓRIA REJEITADO POR SER INPERTINENTE E EXTEMPORÂNEO – RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO. (AIIM 4.125.867-8, julgamento em    de 10.11.20)

Consoante os fundamentos das decisões proferidas, que merecem reflexão, restou assentado que, sob o aspecto da legislação infraconstitucional, considerando-se as normas de regência quanto às restrições aos créditos de ICMS na aquisição de materiais de uso e consumo, numa interpretação sistemática, as vedações ao crédito são limitadíssimas, muito diferente do entendimento que vem sendo adotado o fisco, consubstanciado nas normas infralegais (Portarias, Decisões Normativas, Resoluções) e normas individuais e concretas expedidas pelas autoridades competentes.

É de se ressaltar a observação inserta nos julgados de que, pelo regime adotado pela LC 87/96, há de se fazer distinção apenas entre mercadorias destinadas para as atividades econômicas do contribuinte, daquelas mercadorias que apenas são destinadas ao suporte da atividade que realiza, como por exemplo, diversas despesas com o departamento administrativo, com segurança interna do estabelecimento, dentre outras. Estas sim, mercadorias de uso e consumo, onde tem incidência o artigo 33, inciso I, da LC 87/96. Somente nesses casos é que há vedação ao uso do crédito de ICMS.

Isto porque, segundo os acórdãos, a Lei Complementar 87/96, de forma mais ampla, no artigo 20, prevê a possibilidade da compensação de todas as mercadorias que ingressarem no estabelecimento, independentemente da destinação, vale dizer, inclusive as mercadorias destinadas ao uso e consumo.

Pelo artigo 20, na sua intelecção, a norma impõe exceções ao direito ao crédito em relação às mercadorias “alheias às atividades do estabelecimento”, bem como, as vinculadas às saídas “não tributadas ou isentas.” Mas o artigo 33, inciso I, da LC 87/96, ampliou a restrição para as mercadorias destinadas ao uso e consumo, transitoriamente, ou seja, até 31.12.2032, segundo a legislação vigente.

Destarte, as decisões em análise alertam que o regime adotado pela LC 87/96 difere do regime do Convênio 66/88, que continha regra negativa, prevendo a inexistência do direito ao crédito, se não houvesse integração da mercadoria ao produto final ou se não fosse consumida integral e imediatamente no processo industrial, consoante o artigo 31, inciso III.

Houve, portanto, uma mudança de critério em relação ao Convênio 66/88, sendo que, pela regra atual, o crédito é vedado apenas quando “não houver qualquer vínculo ou inerência” entre a mercadoria e o processo industrial, ou comercial, ou de prestação de serviços, desenvolvido pelo estabelecimento.

Assim, numa análise sistemática da norma complementar, consoante é asseverado pelas decisões da 2ª. Câmara Julgadora, tem-se que o artigo 33, I, da LC 87/96, por ser norma transitória, é uma exceção à regra geral e não uma outra regra geral, de modo que esta deve ser interpretada restritivamente. Com efeito, na aplicação do artigo 33, I, da LC 87/96, a vedação ao crédito não é em relação a qualquer uso e consumo da mercadoria, pois deve-se levar em conta a efetiva “destinação” da mercadoria.

Vale dizer, identificar, em cada caso, se a destinação diz respeito à atividade econômica do contribuinte, sendo este o ponto nodal para a incidência ou não do art. 33, I, da LC 87/96. Para tanto, o sujeito passivo da relação tributária deverá demonstrar ou fazer prova de que os materiais de uso e consumo são necessários e imprescindíveis às atividades da empresa, para que o crédito seja legitimado. Se há vínculo de inerência com as atividades desenvolvidas pelo contribuinte, ou seja, se as mercadorias não são alheias às suas atividades produtivas, não tem aplicação a vedação do art. 33, I, da LC 87/96.

Ressalto, que por esse entendimento jurídico, a prerrogativa de apropriação de crédito de ICMS não ficaria restrita apenas para a indústria, mas também para o comércio, cujo aspecto também é objeto controvérsias no Poder Judiciário.

Certamente os referidos processos administrativos chegarão à Câmara Superior, de modo que é relevante o enfretamento da questão em face dos fundamentos fixados pelas indigitadas decisões, mormente porque estão em sintonia com o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça[1].

Autoria:
José Orivaldo Peres Júnior

Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Lina Santin
Dolina Sol Pedroso de Toledo
Kalinka Bravo

[1] AgInt no AResp n. 1.288.163/SP, DJe 05.052021; AgRg em REsp 142.263, DJe. de 26.02.2013, e REsp 1.175.166/MG, DJe. de 02.03.2010.

 

Fonte: Jota